Alterações climáticas podem deixar Jerónimos e centro histórico do Porto debaixo de água

Estudo avalia efeito da subida do nível do mar nos sítios classificados como Património Mundial da UNESCO.

O Mosteiro dos Jerónimos hoje: no futuro, com a água ao pé Daniel Rocha

Nessa altura, a civilização humana, se ainda existir, será completamente diferente. Mas a subida do nível do mar será em grande parte um reflexo do que está a acontecer agora, com a crescente concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera.

O estudo – realizado pelos investigadores Ben Marzeion, da Universidade de Innsbruck, na Áustria, e Anders Levermann, da Universidade de Potsdam, na Alemanha – baseia-se em modelos sobre a expansão térmica do oceano e o derretimento do gelo dos glaciares, da Antárctida e da Gronelândia. Tudo somado, por cada grau adicionado à temperatura do planeta, o mar ficará em média 2,3 metros mais elevado ao fim de dois milénios, em comparação com agora.

As consequências deste aumento podem ser brutais, em vários sentidos. Mas o estudo procurou avaliar um aspecto de que se tem falado pouco: o que acontecerá com aquilo que a humanidade considera ser os seus maiores tesouros culturais.

Combinando a subida do nível do mar com a topografia do planeta, os cientistas concluem que, se a temperatura se mantiver três graus Celsius acima do nível pré-industrial, as águas poderão submergir parcialmente 136 sítios classificados como Património Mundial – ou 19% dos 720 que hoje existem. Com cinco graus Celsius a mais, o número sobe para 149 (21%).

Mesmo que a temperatura se mantenha ao nível actual – 0,8 graus acima dos valores anteriores à Revolução Industrial –, 47 sítios têm os dias contados, embora sejam muitos milhares de dias, caso não se tomem medidas de adaptação. “Dada a escala milenar da vida do dióxido de carbono na atmosfera, os nossos resultados indicam que são necessárias decisões fundamentais sobre o património cultural da humanidade”, escrevem os autores do artigo.

A longa lista de sítios em risco inclui monumentos emblemáticos, como a Estátua da Liberdade ou a Torre de Londres, e muitas zonas históricas de cidades como Bruges, Nápoles e São Petersburgo.

Publicado na revista Environmental Research Letters, o estudo identifica especificamente o aumento de temperatura a partir do qual cada local fica ameaçado. Em Portugal, o centro de Angra do Heroísmo já está comprometido com os actuais 0,8 graus Celsius a mais do que na era pré-industrial. As vinhas do Pico ficarão com 1,3 graus a mais, o Mosteiro dos Jerónimos com 1,6 graus e o centro do Porto com 2,5 graus.

Na prática, três destes quatro sítios portugueses estarão em risco mesmo se a humanidade conseguir manter o aumento da temperatura a dois graus Celsius. Este objectivo está expresso em acordos internacionais, mas a sua concretização depende de mudanças profundas no uso da energia, hoje largamente baseado na queima de combustíveis fósseis.

O património natural é apenas a ponta do icebergue de um vasto conjunto de efeitos muito mais problemáticos que a subida do nível do mar pode ter no futuro. O próprio estudo estima que entre 2,2 e 10,5% da população mundial vivem em zonas que podem ficar alagadas, caso a Terra fique um a cinco graus mais quente, respectivamente. Treze países – sobretudo pequenas nações-ilhas do Pacífico – podem perder mais de 50% da sua área.

Tudo isto poderá acontecer em dois mil anos, um prazo dilatado em comparação com a escala de décadas que está na agenda política climática. Mas, para o físico Filipe Duarte Santos, nomeado recentemente pelo Governo para rever a estratégia de gestão da zona costeira em Portugal, faz sentido raciocinar a longuíssimo prazo. “É absolutamente legítimo pensar nisso”, afirma.

Os oceanos, diz o investigador, absorvem 90% do excesso de energia que resulta do actual desequilíbrio térmico da Terra. “O que se vai passar durante centenas de anos é que a energia térmica se vai propagar no oceano em profundidade”, completa. “Não há muitas hipóteses de inverter isso.”

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