Famílias exigem mudanças profundas no IRS para incentivar natalidade

Estado paga 300 euros/mês por cada criança institucionalizada, mas deduções no IRS “não chegam aos 30 euros por mês”, critica Associação Portuguesa de Famílias Numerosas.

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A taxa de IRS em vigor em Portugal não tem em conta a dimensão da família Pedro Cunha

No último congresso do PSD, Pedro Passos Coelho anunciou a criação de uma comissão multidisciplinar, chefiada por Joaquim de Azevedo, da Universidade Católica, para, num prazo de três meses, apresentar um plano de acção de incentivo à natalidade. Em paralelo, o Governo criou outro grupo de trabalho, liderado pelo professor de Direito Fiscal na Universidade Católica do Porto, Rui Morais, para rever as regras do IRS, tornando-as mais “amigas das famílias”. Desde então, a APFN tem-se desdobrado em sugestões. “A existência de filhos num determinado agregado familiar é considerada apenas em termos de deduções à colecta, mas com valores tão baixos que se tornam praticamente inexistentes”, introduz a secretária-geral daquela associação, para quem é urgente que o actual coeficiente conjugal seja substituído por um “coeficiente familiar”.

Actualmente, em Portugal, o rendimento colectável divide-se pelos dois membros do casal. Para efeitos de retenção mensal, a taxa é diferente consoante o número de filhos, mas, no cálculo final do imposto a pagar, apenas as deduções à colecta consideram os descendentes, sendo que aqui os tectos foram drasticamente reduzidos. “O valor que se pode deduzir, no limite, não chega a 30 euros por mês por filho. São dois pacotes de fraldas!”, indigna-se a secretária-geral da APFN, que não se atreve a calcular quanto devia valer um filho em termos fiscais. Mas que, ainda assim, vai lembrando que o valor médio das pensões em caso de divórcio ronda os 150 euros mensais por progenitor e por filho. E que, por cada criança institucionalizada, o Estado paga 300 euros por mês. “São valores que valia a pena analisar. De 30 para 300 euros mensais vai uma diferença muito grande!”

Voltando à taxa de IRS, mais concretamente ao exemplo francês, onde o rendimento é dividido pelo número de pessoas do agregado familiar: o primeiro e segundo filhos contam 0,5 cada um; mas, a partir do terceiro, cada um deles já passa a valer por um. “Isso, sim, faz sentido. É uma leitura horizontal que, na hora de fazer contas à taxa de IRS, considera o número de pessoas que vivem de determinado rendimento”, preconiza Ana Cid.

Na casa de Adelino Mendes, em Matosinhos, “são dois a ganhar e oito a gastar”. E o normal seria, no entender deste economista, que o IRS fosse calculado numa base per capita. “O meu salário e o da minha mulher a dividir pelo número de pessoas que constituem o agregado, ou seja, oito”, especifica, dizendo não compreender que o Estado teime em manter-se cego “à estrutura de proveitos e custos de uma família”. O que na prática “penaliza quem tem filhos”.

“É absurdo que o que sobra para dar de comer a cada filho seja menos do que o que se entrega em imposto”, prossegue, dizendo-se convencido de que “basta que o Estado ‘tire a bota de cima’ das famílias para que estas passem a ter mais filhos”.

Crianças = activos líquidos
Por considerar que a importação de modelos como o abono de família universal, ou seja, independente do rendimento familiar, é incompatível com a actual crise económica e social, Ana Cid diz acreditar que a resposta ao problema da natalidade, que em 2013 bateu novo recorde histórico com apenas 82.538 bebés nascidos, passa mesmo por incentivos indirectos, capazes de “impedir que o nível de vida das famílias baixe tanto quando nasce um filho”. “Trata-se, além disso”, reforça, “de criar motores importantes para o crescimento económico, porque cada criança constitui um activo líquido para a sociedade, considerando o consumo de bens e serviços associados.”

Não muito longe deste raciocínio, Amândio Alves, fiscalista e dirigente da Confederação Nacional das Associações de Família (CNAF), concorda que a dedução à colecta anual por dependente é “insuficiente” e não exprime a “indispensável vontade política em fazer face à realidade actual de quebra intensa e preocupante da natalidade”. Mas vai mais longe ao defender que a habitação própria e permanente do agregado familiar “não devia estar sujeita” às taxas do imposto municipal sobre imóveis (IMI). “Se a Constituição prevê que o direito à habitação é fundamental e inalienável, não faz sentido nenhum que o Estado lhe atire com um imposto em cima”, argumenta, num raciocínio que, ressalva, não é aplicável a segundas ou terceiras habitações, mas apenas à habitação própria e permanente.

De volta ao exemplo de Adelino Mendes: “Um dos critérios para o cálculo do IMI é o tamanho da casa. A minha é grande, mas somos oito. E, como tal, no cálculo per capita é fácil de concluir que cada um dos elementos da minha família tem menos metros quadrados do que um chinês médio.” O economista não aspira a ficar isento desse imposto. Mas considera que “o valor da prestação devia ponderar a dimensão da família”.

Convidado pela CNAF a integrar uma comissão de estudo sobre a matéria, juntamente com o médico Daniel Serrão, Amândio Alves vai ainda mais longe, ao defender que as famílias deviam também ficar isentas do imposto municipal sobre as transacções onerosas de imóveis (antigo sisa) aquando da compra da primeira habitação própria e permanente.

A estes exemplos, Adelino Mendes soma outros. Como o facto de pagar a água a um preço mais elevado pelo facto de ter mais gente em casa. “Os diferentes escalões nos tarifários de água foram criados para evitar o desperdício, mas, em casos como o meu, as pessoas chegam a pagar cada metro cúbico de água até três vezes mais caro pelo simples facto de terem mais gente a tomar banho, mais roupa para lavar... Percebo o objectivo de poupança, o que não percebo é que a definição dos escalões não tenha em conta a dimensão dos agregados familiares”, critica, defendendo o alargamento a todo o país da tarifa familiar da água já adoptada nalguns municípios. E não, “não é um apoio social”, descarta, mas “uma questão de justiça”.

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Saúde
As grávidas portuguesas estão isentas do pagamento de taxas moderadoras. As crianças também, mas só até aos 12 anos. “O que é que se passa com as crianças para que, a partir dessa idade, deixem de ter direito? Começam a trabalhar? Deixam de precisar de ir ao médico?”, ironiza  Ana Cid, da APFN.  O secretário-geral da CNAF, Hugo Oliveira, concorda. E sugere: “No caso das famílias com mais de dois filhos, devia-se alargar essa isenção a todos os membros do agregado.” O Governo lançou cheques-dentista, mas estes não são universais e só abrangem crianças até aos 16 anos. E, questiona ainda Ana Cid, “como é que é com as vacinas que não estão incluídas no Plano Nacional de Vacinação?”. Por outro lado, as despesas com o pré-escolar entram na rubrica da saúde, mas só até ao tecto de 838,44 euros. Posteriormente, esta rubrica entra no tecto global de despesas que é de 1250 euros por família mais 125 euros por cada filho.

Educação
A educação no ensino básico e secundário continua a ser “tendencialmente gratuita”, mas o custo dos materiais e manuais escolares recai sobre as famílias. Em sede de IRS, cada família pode abater até 30% das despesas com educação, mas só até um tecto máximo de 760 euros. Quem tiver três ou mais filhos pode contar com mais 142,5 euros por cada um deles, sendo que estas despesas, em conjunto com as de Saúde e Imóveis, entram para o tecto máximo de 1250 euros por família mais 125 euros por cada filho.

Abono de família
Desde 2003 que em Portugal o abono de família se reveste de um carácter assistencialista, acessível só às famílias cujo rendimento bruto mensal seja inferior a 628 euros. Aqui é feita uma ponderação em que o primeiro adulto conta como 1, o segundo 0,7 e cada filho 0,5. Numa família com dois filhos e um rendimento mensal de 1500 euros, o equivalente calcula-se dividindo 1500 por 3.2, ou seja, 1+0,7+0,5+,05. 

Férias
Até 2013, os trabalhadores mais assíduos tinham direito a três dias de férias adicionais, a somar aos 22 dias úteis. Mas, ao mesmo tempo que suprimiu quatro feriados, o Governo decidiu acabar com esses dias extras, diminuindo a disponibilidade dos trabalhadores para a família. Além disso, aumentou o horário de trabalho dos funcionários públicos para as 40 horas semanais.

Alguns exemplos de boas práticas no estrangeiro*

França
O IRS é calculado com base no coeficiente familiar, ou seja, a taxa de imposto varia em função do número de membros da família. O primeiro e segundo filhos valem 0,5 cada, mas, a partir do terceiro filho, cada um deles vale por um. O abono de família é universal, rondando os 127 euros nas famílias com dois filhos, 291 com três filhos, 454 euros com quatro filhos, e, finalmente, 618 euros no caso das famílias com cinco filhos.  A educação, incluindo manuais e materiais escolares, é completamente gratuita. A saúde também, até aos 24 anos. Nos transportes públicos, as famílias numerosas pagam 50% do custo.

Finlândia
O Governo atribui um “pacote de maternidade” que consiste num kit com inclui vestuário, caixa-berço, fraldas, toalhetes e outros bens necessários para os bebés. Também é possível optar por receber em dinheiro. O valor ronda os 140 euros. A seguir ao parto há a chamada maternity allowance, que se prolonga por quatro meses. Segue-se a parental leave, que permite que os pais ou as mães possam gozar de uma licença paga até aos nove meses. Esta licença também pode ser gozada e paga a meio tempo a cada um dos pais. A child home care allowance  é paga aos pais que tenham uma criança até aos três anos que não esteja em creche municipal. Se os pais quiserem, a quantia pode ser usada para contratar uma ama ou ainda para colocar a criança numa creche privada. O abono de família é universal até aos 17 anos. No caso do primeiro filho é de 114 euros; no 2.º filho passa a 115; 3.º filho, 146 euros; 4.º filho, 168 euros; e a partir do 6.º ou mais filhos sobe para os 189 euros por criança.

Suécia
Existe a paid parental leave até 480 dias (cerca de 16 meses). A licença é por cada criança e pode ser acumulada com vários filhos seguidos. Até a criança ter oito anos, um dos pais pode reduzir até 25% o seu horário de trabalho. O abono de família é universal e ronda os 117 euros por mês e por filho. O valor aumenta com o número de filhos. Uma família com seis filhos recebe não só cerca de 705 euros por mês, mas também um suplemento de cerca de 460 euros porque tem seis filhos. O infantário tem um custo de cerca de 140 euros por mês, mas, entre os seis e os nove anos, escola é totalmente gratuita (inclui manuais escolares e almoço). Também a universidade é gratuita para todos os cidadãos da EU.

*Fonte: Associação Portuguesa de Famílias Numerosas

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