O soldado israelita que deixou de olhar para as crianças palestinianas como miniterroristas

Depois de verem o resultado dos combates na linha da frente, um grupo de veteranos israelitas e palestinianos formou o Combatentes pela Paz. Chen Alon é um dos seus membros e esteve em Lisboa para contar como, apesar de não ser um pacifista, se recusa a combater pela ocupação.

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Chen Alon deixou de lutar no exército israelita em 2001 Enric Vives-Rubio

Chen Alon esteve em Lisboa no fim-de-semana na conferência Resisting War in the 20th Century, na Universidade Nova, para apresentar “a luta não violenta em Israel e na Palestina”. Alon, 44 anos, pertence aos Combatentes pela Paz, uma organização que junta pessoas que lutaram pelos dois lados – militares israelitas e combatentes palestinianos – e que defendem o fim da ocupação.

Durante a conversa, Alon repete: “Eu não sou um pacifista.” A História mostra que os israelitas precisam de um sítio seguro para viver. “Nós, judeus, podemos ser um pouco paranóicos – mas temos razões para isso.” O conceito de que o sionismo salvou a vida de judeus não é uma abstracção para ele: “Toda a família do meu avô morreu no Holocausto: os seus oito irmãos, os pais, tios, primos. Todos morreram, menos o meu avô, que imigrou para a Palestina." O que não quer dizer, continua, é que isso seja justificação para tudo – que seja justificação para a ocupação.

Chen Alon serviu no exército durante a primeira intifada, foi subindo nos escalões militares, voluntariamente. Quatro anos de exército, era um comandante de combate, 11 anos na reserva, um mês de serviço por ano. Esteve sob fogo para defender Israel, várias vezes.

Um miniterrorista de dez anos
Em 2001, em plena segunda Intifada, fez a sua última missão pelo exército. Depois de ter capturado terroristas de 10 anos de idade, foi pai. Então percebeu que antes via as crianças como miniterroristas. Depois de ter filhos, soube “o que é uma criança de dez anos; não é um miniterrorista”. Chen Alon queria lutar pelo Estado de Israel. Não queria “humilhar, fazer passar fome, ocupar”. Disse que não iria mais.

Quando disse à mãe que ia recusar-se a servir nos territórios ocupados, ela perguntou-lhe: “E isso não é perigoso?” Alon ri-se quando conta a história. É uma contradição entre o perigo que enfrentava como combatente (estar sob fogo) e o perigo que enfrentava como refusenik – a prisão (um mês), os insultos, ser chamado traidor, ter pessoas a expressar desapontamento (“Também tive muitas expressões de apoio”, contrapõe).

A história para ele é ainda um modo de mostrar um paralelo com um “mito” que existe entre os judeus de Israel – de que as mães palestinianas amam menos os seus filhos, porque os mandam para missões suicidas. “Mas também será muito rara a mãe israelita que desencoraja um filho de ir combater pelo Estado de Israel”, diz.

Alon é também actor, e isso influenciou o tipo de trabalho que faz. Depois de um mês preso – a pena por se recusar a servir –, deixou de ser capaz de fazer teatro convencional e começou a interessar-se pelo Teatro do Oprimido, do brasileiro Augusto Boal, que transforma os espectadores em participantes.

Um plano para raptar soldados?
O grupo de cooperação dos combatentes surgiu depois, em 2005, um pouco por acaso, e com muita cautela. “Penso que foi um jornalista alemão – lembro-me só que foi alguém improvável [que, ao entrevistar os militares israelitas pelo fim da ocupação, lhes disse que havia um grupo semelhante de combatentes palestinianos que defendiam que a melhor estratégia era pacífica]." 

Começaram contactos, a medo. “Achávamos que podia ser uma maneira de raptarem alguns soldados”, diz. Implicou um longo caminho, tendo como base as linhas orientadoras das comissões de reconciliação, com descrições das acções levadas a cabo no passado. Era preciso ter confiança. Resultou, e hoje o grupo tem acções várias, desde apresentações em escolas aos encontros de veteranos, às manifestações não violentas.

Nestas manifestações contra a ocupação (o esforço para que sejam pacíficas é muito grande, porque, a partir do momento em que alguém atira uma pedra, deixa de ser pacífica, comenta Alon), há vários efeitos: não só mostrar aos soldados a sua postura agressiva através do teatro, mas também algo que provavelmente nunca terão visto, aponta Alon: palestinianos e israelitas a conviver, a rir, a fazer algo juntos.

A paz depende de nós
O grupo faz outras acções provocatórias tendo como ponto de partida a representação de papéis para expor o ridículo de algumas situações. Como quando passaram, quatro judeus e uma árabe israelita, um checkpoint, na faixa que é só para judeus. “Enquanto o soldado verificava as identidades, ela começa a falar árabe ao telefone.” Foi o suficiente para o soldado já não os deixar passar, mas não conseguia dizer porquê. “Ele não podia dizer que aquela faixa era só para israelitas, porque ela é israelita. Teria de dizer que era só para judeus. Mas isso ele não conseguia dizer, e era isso que queríamos expor”, conta Alon.

O pior que lhe pode acontecer, conta, é quando, no final de uma sessão, alguém diz: "Isso é tudo muito bonito, mas não vai mudar nada." Para Alon, é justamente isto que vai mudar algo. "Não vão ser os políticos a entender-se", por mais iniciativas americanas (o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, está esta segunda-feirana Casa Branca), por mais negociações de paz que haja. "Temos de ser nós."

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