Reforma da Saúde? Que reforma?
A ausência de reformas colocará o SNS, de novo, em ruptura, e ainda mais profunda.
Do ponto de vista internacional, comecemos por indicar que uma reforma de um qualquer sistema de saúde implica, necessariamente, alterar fluxos de financiamento dos cuidados de saúde e, de forma previamente planeada e anunciada, alterar a caracterização da oferta de serviços, assim como, intencionalmente, alterar a caracterização da procura de serviços e de cuidados de saúde.
Em Portugal, as ideias avulsas apresentadoa no chamado acordo com a troika não incluíram nenhum destes três aspectos fundamentais das reformas dos sistemas de saúde. O simples processo de reduzir o orçamento alocado ao SNS de uma forma generalizada é uma abordagem de gestão dos sistemas de saúde abaixo de medíocre que nunca poderá ser classificado como uma “reforma”. Então a que se refere Passos Coelho quando fala de uma reforma da saúde?
Constatando, entretanto, a total ausência de quaisquer indícios dos processos que indiciam reformas nos sistemas de saúde, a actuação do actual ministro da Saúde, desde que assumiu funções, tem sido caracterizada pelo esforço constante de encobrir da opinião pública a sua absoluta incapacidade em reformar o que quer que seja e o preocupante desequilíbrio com as suas múltiplas tentativas falhadas de gerar poupanças globais. Reduzir o orçamento e esperar que as organizações de saúde gerem processos de adaptação, sem qualquer plano estratégico nem apoio de objectivos de gestão claros, gerou, somente, uma receita: reduzir o quadro de pessoal e reduzir os ordenados dos profissionais de saúde que ainda sintam vontade de continuar a trabalhar no sector público.
Paulo Macedo tem adicionado a esta triste receita uma demagogia, ampliada na opinião pública pelo seu gabinete de imprensa, associada às alegadas poupanças na despesa com medicamentos como reflexo de simples cortes nos preços dos medicamentos, sobretudo os oferecidos pelas empresas menos influentes e produtores de genéricos. Acrescentou a esta acção fácil um atraso intencional, artificial e burocrático, na introdução de medicamentos inovadores com consequências nefastas para a saúde da população. Para além dos nefastos impactos na população, esta abordagem na política do medicamento reflecte a profunda miopia em relação à oportunidade, que já foi mais real, de transformar Portugal em produtor de medicamentos genéricos.
O funesto corte na despesa com exames de diagnóstico (MCDT) resultou em contextos de tempos de espera de mais de dois anos, o que, igualmente, não classificamos em termos internacionais como uma “reforma”.
Confesso que não imaginei ser um activo opositor do actual ministro da Saúde. Porém, a sua total incapacidade, aliada a uma estranha actividade manipuladora da opinião pública, forçaram esta posição de confronto directo que partilho com poucos agentes do sistema de saúde independentes e que conseguiram manter-se longe dos processos de favores e discretas nomeações em troca de silêncio conivente que nos entristecem como um sinal de profunda decadência entre a chamada classe política que, na saúde, é reduzida e muito dependente de nomeações partidárias.
Que reformas esperar para o sistema de saúde? Do actual ministro, nenhumas. O que não será o pior dos cenários na medida da sua demonstrada incapacidade.
O tempo urge e, após as próximas eleições legislativas, será claro que a ausência de reformas nas três dimensões fundamentais colocará o SNS, de novo, em ruptura e ainda mais profunda.
A reforma do financiamento. A reforma da oferta do SNS. A reforma dos fluxos de procura de cuidados de saúde e prevenção. Eis a reforma que Passos Coelho não conseguiu realizar e que, em nome da verdade, nem sequer tentou.
Director do International Journal of Healthcare Management, RU