Conselho de Estado da França decide sobre vida ou morte de tetraplégico em estado vegetativo crónico

A mulher e os irmãos de Vincent Lambert, internado em estado irreversível desde 2008, recorreram da decisão de um tribunal administrativo que impediu a retirada dos tubos de alimentação artificial a pedidos dos pais.

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Os pais de Vincent Lambert não o querem deixar morrer HERVE OUDIN/AFP

O caso, que extravasou os tribunais e relançou o debate político e a discussão sobre a eutanásia e o suicídio assistido na sociedade francesa, opõe os pais de Vincent Lambert à sua mulher e outros familiares. Rachel alega que o marido, um antigo enfermeiro especializado em psiquiatria, “não queria viver diminuído”, e por isso autorizou que fossem retirados os tubos que artificialmente garantem a hidratação e nutrição de Vincent. Os pais dizem que tal configura uma “tentativa de assassínio de um deficiente” – o acidente também o deixou tetraplégico.

Rachel e seis dos irmãos Lambert lembraram que Vincent não só dizia que “se ficasse em coma profundo preferia morrer” como tinha dado instruções para recusar uma ligação artificial à vida. “Deixá-lo partir é o nosso derradeiro acto de amor”, sublinharam. Mas os pais, católicos tradicionalistas, uma irmã e um cunhado opõem-se à eutanásia passiva e dizem que, apesar de não ser autónomo, Vincent não está em situação de morte iminente.

O processo chegou ao Conselho de Estado depois de o tribunal administrativo de Châlons-en-Champagne ter dado procedência a um recurso interposto por Pierre e Viviane Lambert para impedir que os médicos que tratam Vincent desde o acidente iniciassem o chamado “protocolo de fim de vida” e suprimissem a alimentação artificial. O juiz considerou que “o tratamento “não é inútil pois não tem como objectivo único a manutenção da vida”.

De acordo com Eric Kariger, o director do serviço de cuidados paliativos do Centro Hospitalar Universitário de Reims, onde Vincent Lambert está internado desde 2008, a medicina não conseguirá reverter o quadro clínico do paciente. “É um caso grave e incurável”, depôs o especialista, apontando para a existência de lesões cerebrais irreversíveis que deixaram Vincent em estado vegetativo crónico e “sem qualquer esperança de recuperação”.

No dia 6 de Fevereiro, os advogados de ambas as partes apresentaram os seus argumentos ao Conselho de Estado pela primeira vez: face à complexidade do assunto – e as “questões jurídicas, deontológicas e éticas” que levanta—, foi decidido que o processo seria encaminhado para a assembleia de contencioso, uma formação colegial composta por 17 magistrados que é a mais alta instância de decisão daquele organismo. A deliberação final estava prevista para ontem, mas antes da audiência pública, o relator do Conselho de Estado, Rémi Keller, solicitou uma nova perícia médica. “Não é habitual pedir uma medida de instrução”, admitiu, “mas creio que concorrerá para uma melhor decisão final”.

Uma nova audiência foi convocada para esta sexta-feira, para a pronúncia final. Como apontou a imprensa francesa, e inúmeros políticos que se pronunciaram sobre o “affaire Lambert”, a decisão do Conselho de Estado poderá alimentar o actual imbróglio jurídico, se for num sentido contrário à legislação vigente. “Devemos também ter em conta o risco de um novo recurso”, observou o relator Rémi Keller, quando pediu novas peças para o processo.

Uma lei de 2005, conhecida como a Lei Leonetti, autoriza a eutanásia passiva através da suspensão de terapias agressivas e outros tratamentos médicos “agressivos” que sejam considerados desproporcionados para o prolongamento da vida. Também autoriza que sejam administrados analgésicos para “encurtar” o sofrimento dos pacientes a quem sejam retirados os suportes artificiais de vida.

Durante a campanha presidencial de 2012, o socialista François Hollande manifestou-se a favor da legalização da eutanásia. Questionado esta semana a propósito do caso Lambert, o Presidente francês reiterou a sua posição, e disse que o seu Governo em breve apresentaria uma lei com “critérios rigorosos e estritos” garantindo assistência médica aos doentes que “desejem pôr termo à vida com dignidade”.

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