Católicos distantes da doutrina de uma Igreja cada vez mais dividida
Aborto é um dos temas que mais divide os católicos.
A sondagem, encomendada pela estação norte-americana em língua espanhola Univisión, inquiriu 12 mil pessoas em 12 dos países – com mais fiéis ou maior percentagem de católicos – e surge em antecipação ao questionário que o Vaticano enviou, no ano passado, às dioceses de todo o mundo para saber o que pensam os crentes sobre as mudanças na família, o divórcio e as uniões homossexuais. Os resultados serão apresentados antes do Sínodo extraordinário que Francisco convocou para Outubro e do qual poderão sair mudanças na doutrina da Igreja – uma das mais faladas é a plena integração dos divorciados que voltam a casar.
E se os resultados da sondagem não trazem surpresas provam, por um lado, o enorme fosso que as mudanças da sociedade nas últimas décadas cavaram entre o que a Igreja professa e aquilo em que acreditam (e praticam) os fiéis. Uma distância que varia segundo a idade e o nível de prática religiosa dos católicos (quanto mais jovens e menos praticantes mais liberais tendem a ser as posições), mas que tem nas diferenças geográficas a sua maior condicionante.
“O que se deduz é que não há já uma Igreja universal”, escreveu o jornal espanhol El País, notando que “os fiéis africanos e asiáticos são mais conservadores em questões doutrinais do que os latino-americanos e estes, por sua vez, são mais conservadores do que os europeus em temas como o aborto ou a possibilidade de os padres casarem; mas mais abertos ao casamento homossexual do que países como a Itália ou a Polónia”. Mesmo na América Latina, há grandes variações entre países, com os católicos colombianos a oporem-se por larga maioria (71%) às uniões gay, enquanto no Brasil e Argentina há um quase empate entre opiniões contra e a favor.
O casamento entre pessoas do mesmo sexo é, ainda assim, um dos poucos temas onde a opinião da maioria dos fiéis se aproxima da posição defendida pelo Vaticano, com 66% dos inquiridos a manifestar a sua oposição – uma percentagem que é esmagadora no caso da República Democrática do Congo e no Uganda (98 e 99%, respectivamente); enquanto Espanha é o país onde mais católicos se dizem favoráveis a estas uniões. Em sentido contrário, 78% dos fiéis defendem o uso de contraceptivos, em claro desacordo com a doutrina do Vaticano, sendo nos países europeus e na América Latina que o recurso à contracepção tem mais adeptos.
Em quase todas as outras questões, concluiu-se que há enorme divergência de opinião entre os fiéis consoante os países de origem, sendo o aborto aquele que mais divide continentes. Se a nível global, 65% dos inquiridos dizem que deve ser autorizado (8% em todos os casos, 57% em determinadas circunstâncias), nas Filipinas três em cada quatro inquiridos dizem que essa nunca deve ser uma opção. Em França, pelo contrário, 32% dizem que cabe à mulher decidir se quer ou não prosseguir a gravidez. A mesma divisão é visível sobre o fim do celibato ou a ordenação de mulheres (aceite pela maioria dos católicos na Europa e nos EUA) ou na aceitação que os recasados possam comungar (maioritária também entre os latino americanos).
Juan Arias questionava-se no El País sobre o que fará o Papa perante estes dados – e os resultados que se adivinham semelhantes do questionário que encomendou. Francisco, de quem 87% dos católicos dizem estar a fazer um trabalho bom ou excelente, optará por escutar “os seus fiéis mais devotos ou as ovelhas mais distantes que parecem ao mesmo tempo mais sintonizadas com os tempos actuais?”, pergunta o escritor, sublinhando que, face à popularidade que tem junto de uns e outros, “o seu desafio será descobrir como em matérias controversas contentar a todos”.