A existir um campeonato para músico mais deprimente ao cimo da Terra seria ganho por Matt Elliott, cuja obra consegue ser mais arrasadora que a de um Mark Eitzel, de um Mark Kozelek ou mesmo de um Marco Paulo.
No Allmusic, para definirem os moods de Elliott, usam-se termos como “Drogado”, “Melancólico” e “Sombrio”, expressões que, além de altamente elogiosas para com qualquer indivíduo, quando escutada a trilogia composta por Drinking Songs (2004), Falling Songs (2006) e Howling Songs (2008), soam flébeis perante o negrume daquelas melodias que tanto devem à música mediterrânica e de leste.
Mas tal como Eitzel ou Kozelek têm sentido de humor, Elliott também é capaz de rir-se: o seu último álbum chama-se Only Myocardial Infarction Can Break Your Heart (OMICBYH) e ninguém escolhe um título desses sem ter sentido de humor.
Da electrónica suja dedicada à tragédia do Kursk passando pela folk sobre alcoolismo, a carreira a solo de Elliot é o equivalente a um extermínio colectivo. No documentário What a Fuck Am I Doing On This Battlefield tornava-se claro que Elliott batalhou com a depressão; mas Only Myocardial Infarction Can Break Your Heart traz um pouco de claridade: durante a sua escuta há momentos ocasionais em que não temos vontade de nos suicidarmos; por vezes uma ou outra cantilena soa quase alegrota; e ele consegue tudo isto sem baixar a bitola extraordinária que obrou na última década.
Segue-se conversa com o ex-homem mais deprimido do mundo.
Um título como Only Myocardial Infarction Can Break Your Heart parece indicar uma visão sobre a vida: a de que só o mal físico pode quebrar-nos; portanto, os humanos são capazes de ultrapassar quaisquer outras dificuldades. Há algo quase de, perdoe-me mas, positivo nisto.
Bem, sim, a partir de um certo ponto de dor emocional as únicas opções que te restam são desistir e morrer ou levantares-te e continuares. De qualquer modo o título é uma espécie de piada, uma brincadeira com aqueles clichés que as pessoas dizem, como “Há mais peixe no mar” ou “Podia ser pior”. Os seres humanos usam este tipo de ditos insignificantes de forma a ultrapassar momentos difíceis, pelo que o título era uma tentativa de criar um cliché positivo mas tão trapalhão que se tornasse cómico. E, claro, é uma brincadeira com o Only love can break your heart [de Neil Young].
É sabido que lidou com problemas de depressão, mas este álbum soa menos doloroso que os anteriores. Concorda?
Bem, claramente não é tão negro quanto Broken Man, isso é certo. E foi uma decisão consciente, porque não acho que seja possível – ou esteticamente aprazível – ir mais longe no negrume que o que fui. Broken Man é um disco difícil de atravessar e não me apetecia percorrer de novo esse caminho – apesar das letras em OMICBYH serem possivelmente as mais amargas que alguma vez escrevi, a música é ligeiramente mais leve, mais digerível.
Olhando para trás, a trilogia Songs soa a um dos olhares mais devastadores sobre a dor humana. Que raio queria atingir com discos tão duros? E, por oposição, que pretendia com este?
Eu quero sempre o mesmo, o que, correndo o risco de usar um cliché, é expressar-me, mesmo quando não sei o que estou a expressar. De certa maneira não tenho qualquer opção quando faço um disco: não sei o que faria se não fizesse música e simplesmente sigo a direcção que a minha mente toma. Não há nenhum plano, vou escrevendo música e ao fim de um par de anos essas canções tornam-se um disco. É-me claro que tendo a escrever música triste porque é a música que me emociona mais profundamente. Nem sei se seria capaz de compor uma canção alegre, por mais que tentasse. E também é verdade que por norma escrevo quando estou em baixo.
The right to cry, a canção de abertura, leva 17 minutos e é a mais longa do disco. Porque é que abre o disco com ela? Parece estar a fazer um aviso aos incautos. Não deu para cortar umas gorduras?
Nem sequer sei o que isso significa, mas uma canção é tão longa quanto tiver de ser: algumas duram três minutos e outras 12 e ainda há aquelas que, como é o caso, duram 17. É a primeira canção do disco porque foi a primeira a ser escrita e era exactamente assim que queria abrir o disco. E sim, sei que por estes dias tudo tem de ser feito depressa e que nada deve ter “gordura supérflua”, mas eu quero que essas regras se fodam. Quando escrevo uma canção ela fica como fica, há momentos de calma e há momentos de raiva e os primeiros são necessários para enfatizar os segundos e sem a dita “gordura” perdia-se essa dinâmica. É trágico que os seres humanos se tenham tornado tão impacientes: perdemos muito quando estamos sempre apressados e não nos deixamos simplesmente ir.
Há uma frase de uma canção deste disco, Reap what you sow, que diz “If you don’t let/ some good people/ close to you/ then your fate is sown”. À primeira parece algo mais alegre do que costuma escrever; mas depois soa a um aviso tenebroso.
Sim, é um aviso, mas não há nada de alegre na canção, mesmo que à primeira e só atentando nessa frase possa parecer. É acerca de uma mulher que se considera demasiado bela quando comparada com o mundo e que por isso morre só e nunca condescende em partilhar nada de profundo com nenhum ser humano. Não é alegre, é um aviso.
Good people. Boas pessoas. A sua visão política – tida por muitos como de um anti-capitalismo radical – é bem conhecida. Mas realmente acredita que há boas e más pessoas? A maior parte de nós não cai numa zona cinzenta em que a moral não é clara?
Não, nisso está completamente certo, há o bom e o mau em todos nós, mas há pessoas que são moralmente repugnantes e cujas acções nos afectam a todos, pessoas em posições de autoridade e responsabilidade que abusam da sua posição e nos afectam a todos negativamente e há gente cuja ganância não conhece limites e, sim, essas pessoas destroem-nos e há pessoas que são apenas egoístas e arrogantes e completamente alheias aos outros ao seu redor e, todos combinados, tornam a experiência de ser humano, por estes dias, uma experiência muito dura. Sem dúvida que as boas pessoas são uma minoria, pelo menos do que conheço.
Nos discos anteriores usava muitas melodias de leste, mas neste elas surgem menos. Achou que já tinha alcançado tudo o que queria com esse som?
Bem, na realidade não há folk de leste na minha música – antes uma reacção contra a música americana simplificada que está por todo o lado hoje. Além disso, raramente uso a escala pentatónica, e isso é tido como música do leste ou flamenco. Claro que adoro fado ou rembetika e toda a música tradicional, porque é pura, foi criada simplesmente para as pessoas se exprimirem e eu adoro isso, essa música antes da música ser poluída pela indústria musical, mas um musicólogo não diria que a minha música soa a leste. Acontece que para o ouvido pouco treinado tudo o que não use a escala pentatónica é tido como vagamente de leste ou mediterrânico. Mas talvez neste disco eu tenha usado mais acordes maiores porque já não aguentava todo um disco de acordes menores.
Este disco acaba por ser menos político e mais pessoal que os anteriores?
Eu diria que é mais político que Broken Man, que era um disco pessoal e arrasador, mas muito menos que a trilogia Songs. Continua a ser triste, contudo.
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