Há pouco mais de 40 anos, no final dos anos 60 do século passado, as palavras-chave de um relatório da Unesco sobre a juventude eram estas: contestação, transgressão, contra-cultura, contra-poder, cultura dos jovens. Hoje, já nem é preciso relatórios para conhecermos as palavras que descrevem a situação dos jovens: desemprego, precariedade, pragmatismo, sobrevivência. Da época em que a juventude teve uma grandiosa significação cultural e quis assumir a responsabilidade do devir histórico, com o entusiasmo político de quem se sentia um grupo messiânico, chamado a libertar a humanidade da opressão e da injustiça, passámos para a época em que ser jovem significa ausência de projecto, aceitação dos limites, repetição. Do grande espaço público, a juventude passou para a estrita cena privada. A ideia de juventude desligou-se, aliás, de uma ideia cultural e ficou vinculada apenas a lógicas de consumo, de trabalho, e a modos de ocupação do tempo. As famigeradas praxes não são mais do que uma forma de querer recuperar, pelo lado grotesco e alarve, uma coisa que já não existe nem tem condições para existir: a comunidade a que a vida dos estudantes dava forma, dotada de um grande significado cultural e intelectual. Elas exercem-se, portanto, no mais completo vazio, e por isso é que são violentas e patéticas. A herança do nosso tempo é a do ocaso dessa invenção recente: a juventude, enquanto categoria da descrição e análise sociológicas e agente de uma cultura. Podemos situar a idade clássica da juventude, a sua época áurea da auto-consciência e das concepções do mundo, nos anos 50 e 60 do século passado. O ideal da juventude, a que a música e a cultura pop estiveram ligadas, acabou por ser substituído por uma imagem. O ideal é algo a que se aspira e funda um estilo; a imagem é algo pelo qual se é aspirado e apenas engendra fenómenos de moda. No processo histórico de invenção da juventude, uma das etapas primeiras e fundadoras consistiu nos movimentos da juventude e dos estudantes, na Alemanha, anteriores à Primeira Guerra Mundial. Encontramos nos textos juvenis de Walter Benjamin (para dar apenas um exemplo, entre muitos a que podíamos fazer referência) provas eloquentes do que foi essa mobilização em nome de uma “metafísica da juventude”, a produção intelectual a que ela deu origem e a consciência trágica que a eclosão da guerra deu a esses jovens que aspiravam a uma pureza do espírito. Esses movimentos da juventude implantam-se numa tradição romântica: ser jovem significa, então, um valor espiritual, geistig, e não físico. A ideia de juventude, tal como ela é reivindicada por estes movimentos, vincula-se estritamentente à consciência de valores éticos e cognitivos, a uma experiência de conhecimento e sentimento que deve guiar a praxis. Todo esse movimento concebe a arte, a vontade ética e o conhecimento como os três modos fundamentais da vida estudantil. E a vida intelectual, científica, ética e estética dos estudantes deveria representar um momento de justiça e de realização da História como utopia. A grande bandeira dos estudantes, como se percebe bem num dos textos juvenis de Walter Benjamin, tinha um sentido contestário da experiência. A experiência, escreve ele, é “a máscara do adulto”, isto é, “inexpressiva, impenetrável, sempre a mesma”. Essa máscara, privada de espírito, significa o fim dos ideais e das ilusões conquistadoras. A experiência é a cultura do filisteu. A cultura jovem deveria chegar a uma outra concepção de experiência.
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