Memória dos advogados dos Tribunais Plenários
São desconhecidas as acções e iniciativas da Ordem dos Advogados (OA) no sentido da luta por um Estado de direito no tempo da ditadura e, nomeadamente, em relação ao aparelho repressivo da polícia política do Estado Novo. Vem isto a propósito – e não só – da participação da senhora actual bastonária, Elina Fraga, nas comemorações que se vão realizar na Assembleia da República.
Em 4 de Abril de 2008, tomei posse do cargo de presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados (CDHOA) e propus à Comissão a atribuição do Prémio Ângelo Almeida Ribeiro, aos advogados que defenderam os presos políticos nos Tribunais Plenários, o que foi deliberado por unanimidade. Transmitida a deliberação ao senhor bastonário, António Marinho e Pinto, nesta qualidade e na de inerente presidente do “Conselho Geral da OA” de que, aliás fazia parte, como vogal, a actual senhora bastonária, Elina Fraga, este órgão, na sessão de 3 de Dezembro de 2008, rejeitou a proposta por maioria dos presentes.
Criou-se um conflito aberto entre o presidente da CDHOA e o Conselho Geral, na pessoa do seu presidente, senhor bastonário Marinho e Pinto, que na reunião subsequente daquela Comissão, realizada no dia 10 de Dezembro de 2008, para eventual ultrapassagem do conflito, reafirmou a não aprovação da deliberação da atribuição do Prémio Ângelo Almeida Ribeiro aos advogados que defenderam os presos políticos nos Tribunais Plenários e aí proferiu considerações com laivos de verdadeiro “negacionismo”. Obviamente, demiti-me.
Entendo que a senhora bastonária, Elina Fraga, que vai discursar na sessão da Assembleia da República, tem uma urgente palavra a dizer sobre como e porque o Conselho Geral de que fazia parte negou a homenagem a esses advogados no âmbito da OA e hoje se prepara para a assumir, com a maior das naturalidades, na AR, nela discursando.
Não é esta a tradição da OA, que sempre acarinhou e enalteceu os seus advogados na defesa dos presos políticos. Sempre que esteve em causa a liberdade de advogados presos pela PIDE, sempre a Ordem protestou junto das autoridades, como aconteceu com a carta que o bastonário Pedro Pita enviou ao ministro da Justiça Mário de Almeida Costa, em 11 de Agosto de 1071, a propósito da prisão da Amadeu Lopes Sabino, seviciado selvaticamente pelos agentes da PIDE. Árdua e antiga foi também a luta da Ordem contra as medidas de segurança, que tornavam as penas indeterminadas e sem limite, situação bem expressa, nomeadamente nas conclusões do Instituto da Conferência da OA, de 17 de Março de 1958, documento assinado pelos prestigiados e históricos advogados da nossa associação cuja memória, para que não se apague e cumpra a dupla tarefa crítica de vigilância e fidelidade ao passado, aqui fica registada: Azeredo Perdigão, Tito Arantes, Domingos Pinto Coelho, Carlos Mourisca, e Almeida Ribeiro. E ainda a exposição aprovada por unanimidade pelo Conselho Geral da OA e remetida ao Ministro da Justiça, em 19 de Fevereiro de 1965.
É no seguimento deste exemplo de coragem e abnegação na luta contra a repressão policial do Estado Novo que muitos advogados, no âmbito da OA, e por formas diversas, tomaram posição contra o aparelho judicial que permitia a tortura e as sevícias dos presos políticos e não consentia a sua presença aos interrogatórios, assim falsificados.
É bom que os actuais órgãos da OA não esqueçam que a memória é uma batalha: a batalha de sempre entre os que não querem lembrar e os que não podem esquecer.
Espera-se que a actual senhora bastonária, Elina Fraga, mude de atitude e redima na sua intervenção o passado recente do Conselho Geral de que fazia parte e assuma as mais nobres tradições da OA na homenagem que ora se realiza.
Advogado