“Se não morrermos dos bombardeamentos ou dos snipers, vamos morrer de fome ou de frio”

Em Homs ainda se morre de fome com a ajuda pronta para entrar. Em Genebra, o dia foi de impasse total nas negociações entre regime sírio e oposição.

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Estarão 3000 pessoas na parte cercada de Homs Thaer Al Khalidiya/Reuters

“Se não morrermos dos bombardeamentos ou dos snipers, vamos morrer de fome ou de frio”, disse à BBC Baibars Altalawy, um jornalista a viver no centro de Homs. A cidade, com o mesmo nome da província onde se ergue, no centro do país, foi a mais castigada pelo regime que o ano passado reconquistou grande parte dos bairros que perdera para a oposição armada.

A ONG Observatório Sírio dos Direitos Humanos diz que há 3000 pessoas cercadas no centro histórico, zona que inclui a cidadela e vários bairros históricos, onde os rebeldes resistem. Desde Junho de 2012 que ali não entra comida, medicamentos ou combustível. “Agora, comemos tudo o que sai do chão, plantas, até relva. Apanhamos e cozinhamos com lenha porque não temos gás”, diz Baibars Altalawy. “Estes arbustos e a relva que comemos causam doenças, indigestão, febre. Há alguns dias, um homem mais velho morreu seis horas depois de ter comido relva e arbustos.”

Foi em Genebra que o regime sírio prometeu, no domingo, deixar sair as mulheres e as crianças cercadas em Homs. Mas na Síria ainda ninguém viu sinais de que isso esteja para acontecer – nem foi dado qualquer passo para permitir a entrada de ajuda, confirma a Cruz Vermelha, que tem camiões prontos a partir para a cidade.

“A situação é desesperada e as pessoas estão com fome”, disse Edgar Vasquez, porta-voz do Departamento de Estado norte-americano. Segundo Washington, as pessoas não devem ser obrigadas a sair, nem a separar-se das suas famílias antes de receberem auxílio.

Os activistas da oposição no interior de Homs dizem que quase metade das mulheres aceitou sair da cidade. “Umas 200 mulheres e crianças, das que mais sofrem com a falta de alimentos e de material médico, estão prontas a sair”, disse à AFP Abu Ziad. “Mas só o farão se tiverem garantias de que não serão presas pelo regime”, explicou o activista. Outras, disse, “não querem deixar os maridos” para trás.

A fome e o frio juntam-se aos bombardeamentos, que continuavam esta segunda-feira, já depois do anúncio do regime.

Declaração de princípios

Genebra II, como é conhecida a conferência que começou a semana passada na Suíça e que junta, pela primeira vez, enviados de Assad e representantes das forças políticas que se opõem ao ditador, não foi pensada para discutir ajuda humanitária. Na agenda estava a criação de um governo transitório que substituísse o actual e organizasse as próximas eleições – claro que a delegação de Damasco sempre recusou que o encontro tivesse esse objectivo.

Ao terceiro dia de discussões, o mediador da ONU e da Liga Árabe, Lakhdar Brahimi, tinha dito esperar que o futuro político da Síria – e de Assad – estivessem finalmente em discussão. Em vez disso, o Governo sírio apareceu com uma “declaração de princípios básicos”, um documento que levou para a negociar à mesa. Problema: não fala em nenhum lado de transferência de poderes.

A declaração apresentada pelos representantes de Assad pede o respeito pela soberania e independência da Síria, diz que o país é uma “democracia pluralista”, rejeita o terrorismo – designação que o regime usa para se referir tanto a grupos terroristas como a Al-Qaeda como à oposição –, defende a “preservação das instituições do Estado” e que os sírios possam escolher o seu sistema político sem “fórmulas impostas” do estrangeiro.

A reacção da oposição foi a esperada. “Esta declaração sai fora do quadro de Genebra, que se centra na criação de um órgão de governação transitório”, disse o chefe negociador da oposição, Hadi al-Bahra. “Estamos aqui para discutir o terrorismo, não uma transferência de poderes”, insistiu o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros, Faisal Mekdad.

Brahimi pede paciência

Nada de estranho. Afinal, o regime nunca escondeu que não ia a Genebra fazer o que se esperava. Com ambas as delegações a dizerem-se dispostas a continuar a negociar até que um acordo seja alcançado, é difícil antecipar quando ou com o quê é que esta conferência vai terminar.

A disponibilidade para discutir mais é a boa notícia, disse Brahimi na conferência de imprensa que deu quando decidiu terminar os trabalhos do dia, depois de admitir que não tinha muitas novidades a dar, nem no debate sobre a ajuda humanitária.

“As esperanças continuam cá. A minha expectativa é que esta guerra injusta possa chegar ao fim”, disse Brahimi. Depois, pediu que todos permaneçam “pacientes”.

Ainda no domingo, os delegados da oposição tinham pedido a libertação de 47 mil pessoas, incluindo 2300 mulheres e crianças para as quais pediram prioridade. Em troca, o regime pediu que os opositores tentassem fazer uma lista dos que estão nas mãos de grupos armados. Entretanto, já veio a resposta do Governo sobre os 47 mil desaparecidos que a oposição acredita estarem nas prisões do regime: Mekdad diz que a lista já foi analisada e que a maioria destas pessoas ou nunca estiveram presas ou já estão em liberdade.
 

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