Bullying e suicídio: algumas considerações
É precisamente a intensidade, frequência e severidade dos ataques de bullying que, de forma progressiva, enfraquece a capacidade de resistência de muitas crianças e jovens; que, de forma corrosiva, destroem a sua autoimagem e autoestima; e que, em última análise, espezinham e aniquilam qualquer tentativa de escapar, ultrapassar ou alterar este ciclo vicioso de encontros recorrentes entre agressor e vítima. Ciclo esse que, nalguns casos, se tende a perpetuar e a agravar, de semana para semana, de mês para mês, de ano para ano....
Todas estas vivências de sofrimento, assumem particular importância e intensidade em períodos como a pré-adolescência e adolescência. Períodos em que a vivência, a integração e a aceitação no grupo de pares é fundamental para o desenvolvimento dos jovens e crucial para o seu bem-estar.
Sentimentos de incapacidade e impotência, exacerbados pela vivência sistemática de episódios de vitimização, podem, isso sim, reduzir a capacidade de processar ou reagir a outros incidentes ou condicionantes de vida negativos. Por vezes, a “gota de água” que faz transbordar o copo, pode parecer demasiado insignificante...
De modo mais simplista e, contrariamente ao que muitos pensam, o bullying:
- é “democrático”, uma vez que atravessa todas as classes sociais e existe em todas as escolas;
- é “inclusivo”, uma vez que nenhuma criança ou jovem fica à partida excluído, todos podem ser potencialmente vítimas, agressores ou, pelo menos, observadores;
- é para muitos agressores, um "trabalho" semanal ou até muitas vezes diário, sentindo as vítimas que deixaram de ter um real controlo sobre as suas vidas;
- e, desde o recente fácil acesso às tecnologias digitais, começou a fazer "horas extraordinárias" através do cyberbullying.
Com as agressões e perseguições através da Internet e dos telemóveis, as agressões verbais, físicas e psicológicas, que anteriormente eram exercidas num "horário das 9h às 17h", passa a ter lugar 24h/dia, acompanhando os alunos para fora dos muros da escola.
É nossa obrigação enquanto professores, técnicos, responsáveis das escolas, funcionários, famílias, alunos ou simplesmente enquanto cidadãos, contribuir de forma proactiva para este combate, denunciando e dando voz a todos aqueles que, tantas e tantas vezes, não conseguem pedir ajuda, que passam os seus dias a “gritar para dentro”, como nos disse há uns tempos atrás uma criança que havia sido, durante alguns anos, vítima de bullying.
Perguntarmo-nos se o bullying pode conduzir ao suicídio é uma questão simplista que, sendo respondida com um simples “sim” ou um simples “não”, terá também uma resposta redutora. Que o bullying é um dos fatores que se tem confirmado (em diversos estudos científicos) estar de algum modo relacionado com o suicídio, isso é verdade. Mas também nessa verdade se devem incluir e considerar todos os restantes fatores que contribuem para exacerbar os sentimentos de solidão, sofrimento e incapacidade destas crianças e jovens.
Prevenir e combater o bullying é uma missão de todos, desde a escola, a família e a comunidade, acreditando que é sempre possível fazermos a diferença na vida de tantas crianças e jovens, nunca esquecendo um extraordinário provérbio africano, “Pessoas simples, fazendo coisas pequenas, em lugares pouco importantes, conseguem mudanças extraordinárias”.
Professores e autores do livro Plano Bullying. O texto foi escrito segundo o Acordo Ortográfico