O português que não dá pisca devia ser multado. E, não, esta não é uma crónica sobre condução sem escrúpulos e muito menos sobre regrinhas do código da estrada. Isto é só um texto sobre os portugueses que olham profundamente em frente sempre que caminham na rua. Tão profundamente olham eles — os portugueses — sobre si mesmos, de tal maneira seguem eles concentrados, que se esquecem que há mais portugueses atrás. Estas pessoas estão tão certas da sua falta de pisca, nas caminhadas que dão, que não precisam de andar de carro para serem caóticas. Circulam à velocidade controlada de uns míseros metros por hora, no seu pé a fundo, e resolvem, por obra e graça de um acesso de vontade, parar onde bem se lhes apetece.
Já não me apetece contar as vezes em que atravesso o caos de um centro comercial, quando a senhora dona que caiu no acaso de me abrir caminho se lembra de travar a fundo para — àquele preciso quilómetro daquele corredor — poder apertar o cordão. Também já não tenho força para parar para insultar os casais que avançam lentamente por aquele piso fora, eis senão quando lhes convém parar, alheados do mundo, para discutirem um com o outro como é que não trouxeram pão do supermercado.
Parece-me que estas pessoas não nasceram com retrovisor. Precisam de parar e param. E, assim dito, parece uma premissa simples demais para ser contrariada. Precisam de parar e param. Porque não, não é? Alguém que lhes explique que não. Sim, porque às pessoas sem pisca e retrovisor ninguém diz nada. São uma espécie de imaculados da sociedade a que ninguém se atreve a levantar o dedo porque fizeram uma coisa tão inocente que até parece que foi sem querer. Alguém que lhes explique que se toda a gente se lembrar de parar sempre que quiser, sem se dignar a olhar para trás, então a vida em sociedade será, cada vez mais, um dominó. Não que já não seja, em teoria, mas, isso a acontecer, na prática, embrulha-nos num jogo em que ninguém ganha nem tem que ganhar.
O português que faz ultrapassagens de génio, sem piedade nas linhas contínuas, também devia ir preso. O que quero tentar dizer é que os infiltrados que passam descaradamente à nossa frente nas caixas de supermercado podiam ser metaforicamente abatidos a tiro. Passam certeiros por nós, como quem não tem visão lateral, nem nunca teve. Encostam-se, de esguelha, ao nosso carrinho das compras, como se o empurrassem, sem dar atenção, e ganham, encosto a encosto, espaço suficiente para enfiar aquela anca larga à nossa frente.
Parece-me que estas pessoas são perfeitamente incuráveis e, para lá de também terem nascido sem retrovisor, gostam de ter nascido sem retrovisor. Parece-me que a falta de pisca e de retrovisor diz muito sobre a personalidade das pessoas. Mas, isso, sou eu, que nunca gostei de pessoas que passam à frente. Isso, sou eu, que nunca gostei de pessoas que ganham visivelmente o dia por terem feito aquela finta na fila do supermercado ou por desabarem aquele caótico dominó noutra fila da vida qualquer.