Jean-Claude Trichet: criação da troika evitou que fosse só o FMI a intervir nos países em crise
Ex-presidente do BCE defendeu firmemente o papel do banco central na estabilização da zona euro.
Quando os problemas orçamentais da Grécia foram detectados, entre o fim de 2009 e o início de 2010, havia “uma tentação em várias democracias” europeias de colocar os países em dificuldades nas mãos do FMI, afirmou, referindo-se implicitamente sobretudo à Alemanha. Segundo Trichet, estas “democracias” fizeram então uma “interpretação” errada da cláusula do tratado da União Europeia que proíbe a zona euro de assumir a dívida dos seus membros, encarando-a como uma proibição de ajudarem os parceiros, o que os levou a defender que deveria ser o FMI a socorrê-los.
Na altura, igualmente, o BCE era um defensor acérrimo de que a ajuda fosse europeia, lembrou o segundo presidente da instituição perante a Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu que está a investigar a acção da troika de credores (Comissão Europeia, BCE e FMI) na elaboração e acompanhamento dos programas de ajuda a Portugal, Grécia, Irlanda e Chipre.
No final do debate “intenso” realizado em 2010, foi decidido que, embora não ficasse com a responsabilidade exclusiva do processo, o FMI também teria de participar, o que deu origem à criação da troika, lembrou, referindo-se, de novo, a uma imposição da Alemanha. Mesmo se a co-existência de três instâncias com diferentes processos de decisão poderia ser difícil, a troika, enquanto “criação da crise, é provavelmente a melhor solução que [a UE poderia] ter tido”, defendeu. Nesta construção, a Comissão Europeia – que reporta aos governos do euro sobre o cumprimento dos programas de ajustamento ligados à ajuda externa – é a instituição líder, embora em ligação com o BCE.
O ex-responsável francês, afirmou, no entanto, que espera que “o conceito da troika se evapore gradualmente”, à medida que a zona euro se concentrar mais em prevenir do que em curar.
Para Trichet, a crise da dívida europeia foi o resultado de vários factores, nomeadamente problemas de governação da zona euro, falta de cumprimento das regras de disciplina orçamental do pacto de estabilidade e crescimento –incluindo nos maiores países (França e Alemanha) que “recusaram aplicá-las a si próprios” – e do endividamento excessivo e perda de competitividade de alguns Estados.
“No caso de Portugal e Grécia, se o pacto de estabilidade e crescimento tivesse sido rigorosamente aplicado, teríamos evitado muitos problemas. Não diria todos, mas muitos”, sustentou.
Trichet também defendeu firmemente o papel do BCE na estabilização da zona euro graças às operações (altamente polémicas na Alemanha) de compra de dívida dos países atacados pelos especuladores – Grécia em Maio de 2010 e Itália e Espanha no Verão de 2011. Os ataques a Roma e Madrid, que representam 40% do PIB da zona euro, foram ataques contra a totalidade da zona euro, que só foram travados graças à intervenção do BCE, afirmou.
Segundo Trichet, aliás, a promessa feita no Verão de 2012 pelo seu sucessor, Mario Draghi, de “fazer tudo o que for necessário” para salvar o euro, e que está na origem da acalmia registada desde então nos mercados financeiros, só foi eficaz por causa da credibilidade conquistada pelo BCE nestas operações de compra de dívida.