Reforma: mas de que idade estamos a falar?

A lei não pode asseverar nada que a economia e a sociedade não consigam produzir.

Ainda assim, também surgiram notícias de que o Governo se comprometeu a aumentar a "idade de reforma dos 65 para pelo menos os 66 anos de idade através da alteração da fórmula que ajusta o aumento da esperança de vida - isto é, o factor de sustentabilidade".

De que aumento estamos a falar? De que esperança? De que sustentabilidade? Para 2014, o Governo efectuou mudanças nas regras de acesso à pensão de velhice do regime geral da Segurança Social.

O factor de sustentabilidade, que indexa o aumento da esperança média de vida ao cálculo das pensões, visa reduzir as pensões e, até ao passado dia 1 de Janeiro, obtinha-se dividindo a esperança de vida aos 65 anos no ano 2006 pela esperança de vida aos 65 anos no ano anterior àquele ao que trabalhador se reformasse. Agora, para o corte na pensão ser maior, foi substituído o numerador: deixou de ser referência a esperança de vida aos 65 anos em 2006, passando a utilizar-se como referência a esperança de vida aos 65 anos em 2000.

No preâmbulo do decreto-lei 167-E/2013, de 31 de Dezembro, pode ler-se: “ A primeira medida consiste na alteração da fórmula de cálculo do fator de sustentabilidade através da alteração do ano de referência inicial da esperança média de vida aos 65 anos, do ano 2006 para o ano 2000. A segunda medida consiste na adequação da idade normal de acesso à pensão de velhice em 2014 à alteração da fórmula de determinação do fator de sustentabilidade.” – sublinhados meus.

Explica o referido preâmbulo que a necessidade de contenção da despesa pública no longo prazo com carácter de definitividade obriga à redução da despesa no sector da Segurança Social e, atendendo à taxa mensal de bonificação de 1% são necessários 12 meses para compensar o efeito redutor do fator de sustentabilidade de 2013, pelo que a idade normal de acesso à pensão de velhice em 2014 é de 65 anos mais 12 meses.Assim, a Portaria n.º 378-G/2013, de 31 de Dezembro determina que a idade normal de acesso à pensão de velhice em regime de Segurança Social em 2014 e 2015 é 66 anos (artigo 1º).

Além de ter sido alterada a fórmula de cálculo do factor de sustentabilidade mudando o numerador, foi arredondado para cima (para os 12%, 1% para cada mês) o valor do factor de sustentabilidade que determina um corte mais elevado nas pensões e, desta forma, foi justificado o aumento da idade de reforma e de aposentação, em 2014, para 66 anos.

Perante todas estas manobras, e sem prejuízo de outras questões que possam ser levantadas, colocam-se as seguintes: a contenção da despesa pública no longo prazo e a redução da despesa no sector da Segurança Social serão realmente feitas através do aumento da idade da reforma? (acreditamos que na prática é isto que vai realmente acontecer?); mesmo que a lei obrigue todos a trabalhar até aos 66 anos de idade, a economia assegura empregos até essa idade? E, mesmo atendendo à idade dos 65 anos, efectivamente quantos portugueses conseguem trabalhar e manter o emprego até essa idade? Pior, quantos portugueses conseguem recuperar emprego a partir dos 45 anos de idade?

Duas outras perguntas se colocam: não é verdade que, até há relativamente pouco tempo, a idade da reforma por velhice aos 65 anos só se foi mantendo à custa das reformas antecipadas e dos acordos de pré-reforma? Na ausência destes que alternativa resta ao desemprego de longa duração?

Por alguma razão a Alemanha aprovou, para quem tiver descontado durante 45 anos, a redução da reforma dos 67 para os 63 anos de idade; e em França foi aprovada legislação que vai no sentido de reduzir de 62 para 60 a idade de aposentação para os trabalhadores com 41 anos de descontos. Estes países já experienciaram que a lei não pode asseverar nada que a economia e a sociedade não consigam produzir.

Advogada, joana.carneiro@jpab.pt

 
 
 

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