Erdogan, o cavaleiro turco das trevas

O primeiro-ministro vem conseguindo resistir a isto tudo. Porém, como sair-se-á com os últimos acontecimentos de corrupção no seio do seu meio político? A moralidade religiosa aguentou todas as crises anteriores, mas como poder-se-á defender da corrupção?

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Ricardo Campus

A Turquia é um país característico, pois é uma espécie de nação que ocupa um lugar dual (entre Europa e Médio Oriente) sem que pertença a qualquer um deles, uma estirpe de nação sem-abrigo, um tipo de “não-lugar” como dizia Marc Augé (embora este “não lugar” de Augé esteja enquadrado noutro âmbito de relação espacial). Numa primeira instância, podíamos classificar a Turquia como um Estado tampão, porém tal não se adequa, dado que este género de Estado tampão situa-se, de forma bem definida, num território divisor de forças e tensões. Então como podemos denominar tal país? De acordo com a Escola de Copenhaga, estamos perante um “insulator”, entre os quais se pode identificar o Nepal e o Afeganistão, mas, também neste encaixe, a Turquia se consegue destacar por uma atitude diferenciada e activa no seu envolvimento regional. Não se esqueça que se está a falar de um epicentro de raízes do Império Otomano, logo há uma série de ligações culturais complexas com as diferentes partes do ex-império.


Depois de uma breve contextualização, podemos facilmente compreender que não é linear governar um país como este. A entrada do milénio cheia de incertezas teve uma certeza na nação turca com a subida ao poder de Recep Tayyip Erdogan, líder do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), apoiado num discurso pró-oriente e nos valores islâmicos. Assim, 3 de Novembro de 2002 foi um ponto de viragem na política externa turca, até então virada para as desfavoráveis alianças ocidentais. Erdogan colocava a máscara, era o aparecimento de um novo herói na Turquia, mas, ao mesmo tempo, de um vilão para os europeus — o eterno combate de Batman com o seu alter-ego.

Esta tomada de posição — que valeu à Turquia um epíteto, o de “neo-otomana” — é bem evidente nas relações políticas (nos vários encontros com o Irão, por exemplo) e económicas (entre 2002 e 2010, as exportações turcas para a Europa desceram 10% e para o Médio Oriente duplicaram). Os resultados foram estrondosos, na medida em que, em 2011, a Turquia era a 16.ª maior economia do mundo. As ruas olhavam para o cavaleiro das trevas como o seu herói, todavia, tal idolatria devia-se mais à atitude anti-israelita. Um dos episódios mais marcantes deste tom violento e odioso dar-se-ia durante o Fórum Económico, em Davos, em 2009, quando o primeiro-ministro turco optou por um teor agressivo e disparatado nas várias acusações e ataques verbais contra o Presidente Shimon Peres.


Erdogan, o cavaleiro turco das trevas, começou a perder o domínio, ou, pelo menos, a dar alguns sinais de fraqueza. Tal contrariedade é consequência da sua atitude de desprezo e desavença com o seu companheiro de luta Fethullan Gülen, o Robin de Erdogan, o estilo autoritário expresso na solução das revoltas na Praça de Taksim (foi como se o Batman, no seu batmobile, lançasse bombas aos habitantes de Gotham City), a incapacidade de se modernizar, as abordagens intolerantes com os opositores políticos e a falta de liberdade de expressão (cerca de 3700 sítios de Internet proibidos, de acordo com o relatório de progresso, de Novembro de 2010, publicado pela União Europeia). Apesar de tudo, o primeiro-ministro vem conseguindo resistir a isto tudo. Porém, como sair-se-á com os últimos acontecimentos de corrupção no seio do seu meio político? A moralidade religiosa aguentou todas as crises anteriores, mas como poder-se-á defender da corrupção? Será que o cavaleiro turco das trevas ressurge?

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