“Tudo o que se disser agora sobre ele é pouco, muito pouco”
Milhares de pessoas passaram neste domingo pelo Estádio da Luz para venerar a estátua do antigo jogador do Benfica. A homenagem juntou benfiquistas e adeptos de outros clubes, porque "o Eusébio é de todos".
A imagem nunca mais lhe saiu da cabeça. Nem essa, nem as outras que foi guardando dos jogos que viu na televisão, com Eusébio aos comandos do Benfica, ou das vezes que o cumprimentou “em momentos simples”. Porque Eusébio era assim. “Simples, quase parecia ausente… é difícil de explicar”, diz Armando, de olhos lacrimejantes. Recorda “aquela auréola de génio que ele tinha e só conseguia mostrar através dos pés”, mas custa-lhe falar. “Tudo o que se disser agora sobre ele é pouco, muito pouco.”
Como Armando, milhares de pessoas passaram neste domingo pela estátua de Eusébio junto ao Estádio da Luz, em Lisboa. Ao final da tarde, o monumento em bronze que perpetua a pose do antigo internacional português a rematar, estava vestida de várias cores. Homens e mulheres, crianças e idosos foram deixando cachecóis do SL Benfica, mas também cachecóis do Sporting e do FC Porto, arrancando palmas à multidão, silenciosa.
Aos pés do "Pantera Negra", alguém deixou a bandeira de Moçambique, país natal do antigo jogador. E muitas camisolas, pequenas estátuas da águia benfiquista, ramos de flores. Num deles, uma mensagem salta à vista: “O Eusébio é de todos”. E na cabeça do King, como também lhe chamavam, os fãs colocaram a coroa dourada.
Ilustres e anónimos no velório
Passava pouco das 17h30 quando a urna com o corpo do ex-jogador passou pela multidão que o esperava, apesar do frio, ora a gritar pelo seu nome, ora a cantar os hinos nacional e do Benfica. Coberto com a bandeira do clube, o caixão entrou em braços no átrio envidraçado da entrada principal do estádio, para ser velado pela família e amigos. Entre eles, o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, o vice-presidente do clube, José Eduardo Moniz, o antigo treinador do Benfica e actual seleccionador de futebol da Grécia, Fernando Santos, Toni, antigo jogador e treinador dos encarnados, e outros colegas de relvado como José Augusto e Veloso.
Não faltaram personalidades do mundo da música, como Rui Veloso ou Luís Represas. O primeiro-ministro, Passos Coelho, esteve acompanhado do ministro da Presidência, Luís Marques Guedes. O líder socialista, António José Seguro, também foi apresentar as condolências à família. Paulo Portas, do CDS-PP, era esperado por volta das 22h.
Os anónimos que quiseram vê-lo mais de perto esperaram numa fila dentro do estádio, outros preferiram ficar cá fora, junto aos postes com as bandeiras a meia haste ou encostados às barras de protecção. Muitos estarão nesta segunda-feira nas bancadas da Luz para o último adeus ao King, às 13h30.
Filipe Ribeiro, de 27 anos, foi um dos que prometeu não arredar pé. Vestiu-se de preto e vermelho, cachecol do clube ao pescoço, mal soube que o ídolo tinha morrido na madrugada deste domingo. “É como se fizesse parte da família.” A notícia inesperada foi “um choque muito grande”, que lhe amargou o espírito ainda em êxtase pela vitória do Benfica no jogo de sábado à noite, frente ao Gil Vicente. “Espero que ele tenha visto o jogo.”
"Portugal perdeu"
Em casa, Filipe tem os jogos do Pantera Negra gravados em cassetes de vídeo e DVD, aos quais vai juntar a Enciclopédia do Eusébio, acabada de comprar. Emociona-se quando fala do dia em que encontrou o antigo jogador num restaurante em Benfica. “Pedi-lhe um autógrafo, todo a tremer, e ele convidou-me para beber um copo. Beber um copo ao pé de um dos símbolos do Benfica é um dos momentos de que mais me orgulho.”
Para este sócio do Benfica, “todas as homenagens são poucas” perante a grandeza do antigo capitão do Benfica. Mas é unânime a ideia de que o King foi justamente consagrado em vida. “É um homem a que todo o Portugal soube dar valor”, afirma Isabel Tavares, 54 anos, cabo-verdiana a residir em Lisboa há mais de 30 anos. Conhecia-o pessoalmente, encontrava-o no banco, moravam perto. “Não foi só o Benfica que perdeu, Portugal perdeu e o africano também”, lamenta, recordando os “milagres” que Eusébio tão bem sabia fazer em campo.
“O Benfica nunca o abandonou, nunca o deixou sair desta casa”, diz Jorge Fava, 37 anos, benfiquista que um dia teve a oportunidade de se sentar à mesa com o King. Também ele quis despedir-se do homem “muito bom e humilde” que o filho Simão, de oito anos, nunca há-de conhecer pessoalmente. Para a geração de Simão, o ídolo será outro: Cristiano Ronaldo, que todos os fãs ouvidos pelo PÚBLICO apontam como o sucessor de Eusébio na missão de espalhar o nome de Portugal pelo mundo.