Os romenos, a “desumanidade” e o desemprego no Alentejo

O trabalho agrícola tem características que dificilmente poderão ser alteradas.

A questão, exposta quase sempre de forma correcta, tem atingido a imagem do Alentejo e incomodado os portugueses de boa consciência, designadamente os olivicultores alentejanos, que muito pouca responsabilidade têm no assunto.

Basicamente, são quatro os temas que se misturam:

– A forma como são tratados e explorados grupos de estrangeiros que procuram trabalho, por intermediários que os controlam;

– As ilegalidades cometidas por algumas empresas intermediárias, designadamente, quanto ao cumprimento das suas obrigações sociais e fiscais;

– A necessidade de trabalhadores estrangeiros quando há desemprego no Alentejo;

– O desajustamento entre a oferta e a procura de trabalho agrícola no Alentejo e em quase todo o país.

Os dois primeiros temas são assuntos de polícia e deverão ser perseguidos os seus responsáveis. Ninguém pode ficar indiferente quando seres humanos, independentemente da sua origem, fugindo da miséria nos seus países, se tornam presas fáceis de gente sem escrúpulos, que, ficando-lhes com uma parte substancial dos seus ordenados, os trata em condições desumanas, quer no que respeita à alimentação, quer no que respeita ao alojamento.

A questão é saber-se: quem de facto assim procede; como têm, ou não, sido reprimidos e quantas pessoas estão sujeitas a este tipo de situação. Creio saber que, por um lado, as autoridades portuguesas têm perseguido os responsáveis e que, felizmente, isso não acontece com a maior parte dos trabalhadores estrangeiros.

Quanto à fuga aos impostos e às obrigações normais das empresas, trata-se, mais uma vez, de um tema importante, eventualmente facilitado por falhas legislativas aproveitadas por gente que importa perseguir e reprimir.

Os terceiro e quarto temas são o centro de todo o problema. Muita azeitona apodreceria nas oliveiras e não seria apanhada se não fossem os romenos, ou outros trabalhadores estrangeiros. Se isso acontecesse, muitos olivais teriam de ser abandonados. As máquinas, que já são muitas e cada vez mais, não resolvem tudo e não podem ser utilizadas em todas as circunstâncias.

O mesmo, aliás, está a acontecer por todo o país, onde a agricultura moderna, quando exigente em mão-de-obra, reclama trabalhadores e não os encontra nos centros de emprego, sendo por isso obrigada a recorrer a estrangeiros.

Situações semelhantes acontecem em todo o mundo, na Europa, nos Estados Unidos, em África e até na América Latina. Os muitos milhares de portugueses que anualmente iam fazer trabalhos agrícolas sazonais em França ou na Alemanha viveram e sentiram problemas de alguma forma semelhantes.

Não conheço nenhum agricultor português que, em igualdade de circunstâncias, não preferisse dar trabalho a um português. O que acontece é que o trabalho agrícola tem características que dificilmente poderão ser alteradas. São em regra trabalhos sazonais, muitas vezes ocasionais e inadiáveis, às vezes de forma concentrada e por períodos limitados de tempo.

Compreende-se que alguns portugueses, mesmo desempregados, não gostem da precariedade muitas vezes associada aos trabalhos agrícolas e revelem dificuldades de adaptação à natureza desses trabalhos, apesar da sua exigência física não ter hoje qualquer comparação com o que acontecia no passado.

Contudo, quanto mais discussões ouço sobre o assunto, quanto mais observo a realidade, maior é a minha convicção de que o que falta é organização.

Há, de certeza, muitos portugueses em idade activa que gostariam de trabalhar, ainda que fosse na agricultura. O que acontece é que estão desorganizados e dispersos pelas várias vilas e aldeias do país e, neste caso, do Alentejo. Se se organizassem em grupos, não haveria nenhuma razão para se admitir que seriam menos capazes, menos eficazes e mais caros, que os trabalhadores estrangeiros.

Temos exemplos na área agrícola com muitos anos de existência que provam a sua eficácia. São os grupos de “tiradores de cortiça”, que se organizam eles próprios em torno de um “capataz”, que nem sempre ganha mais do que os outros, e que existem por todo o Alentejo, assegurando vários meses de trabalho de Verão, em geral bastante bem pago.

Estes grupos de portugueses, se os houvesse para a apanha da azeitona, não evitariam, como já disse, a necessidade de se recorrer a estrangeiros, mas tirar-se-ia razão à ideia de que estes estrangeiros vêm tirar o “pão” e o trabalho aos portugueses. Ao mesmo tempo, anular-se-ia o argumento, utilizado por alguns, de que os portugueses não querem trabalhar e quando querem é por valores incomportáveis, com má vontade e sem recibo que comprove o custo do trabalho, hoje obrigatório nas contabilidades dos agricultores.

Os centros de emprego poderiam organizar a informação indispensável para melhor se compreender a realidade do trabalho agrícola e, sobretudo, as razões que me têm sido apontadas por muitos agricultores que dizem não ter sucesso quando a eles recorrem. Por outro lado, quando não é esse o caso, dizem-me ser altíssima a taxa de abandono ao fim de alguns dias.

E, já agora, também se calariam aqueles que agora começam a falar para a comunicação social e que dizem sempre ter considerado o desenvolvimento do olival no Alentejo um disparate porque nunca haveria aí suficiente mão-de-obra para apanhar a azeitona. Deviam pensar duas vezes antes de o dizerem, até porque os olivais que menos necessitam de mão-de-obra são os super-intensivos que, normalmente, são os alvos das suas críticas compulsivas.

Engenheiro agrónomo

 
 
 
 

Sugerir correcção
Comentar