Não poderia haver melhor cineasta para filmar o infilmável romance surrealista de Boris Vian, A Espuma dos Dias, do que Michel Gondry, o bricoleur francês de O Despertar da Mente ou A Ciência dos Sonhos, e de telediscos para Massive Attack, Björk ou Daft Punk. E os primeiros minutos do filme são uma espécie de “super-Gondry”, onde vale tudo menos tirar olhos e a sua estética de efeitos visuais caseirinhos e ilusões ópticas artesanais traduz na perfeição o onirismo feérico da prosa e das criações de Vian. Só que esta entrada de estadão não esconde o problema central que sempre perseguiu Gondry: a ausência de uma espinha dorsal narrativa sólida que não ceda ao barroquismo naïf da produção cenográfica e aos trocadilhos visuais constantes, um problema que o cineasta não consegue resolver a contento desde a obra-prima O Despertar da Mente. O que sai de A Espuma dos Dias é uma espécie de Festim Nu xoninhas, cruzamento onírico entre os delírios colagistas de Terry Gilliam e a inquietação claustrofóbica da adaptação de William S. Burroughs por David Cronenberg, em busca de um equilíbrio de tom que nunca estabiliza verdadeiramente. Há momentos de absoluto maravilhamento e outros tantos tiros ao lado neste tour-de-force fervilhante de ideias e imagens que capta o espírito de irrisão de Boris Vian mas não o consegue transformar num filme consistente.
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