Elogio à coragem

A coragem, ao contrário do que muitos pensam, não significa não ter medo, mas saber desprezar os perigos “conforme aconselha a razão”, como dizia Platão. E a capacidade de nos comprometermos “sem necessidade”, perante aquilo em que se acredita, já escrevia Vinicius de Moraes.

É isso que distingue os homens fortes dos homens covardes. A coragem de dizer que não, a coragem de contrariar, a coragem de confiar.

Hoje, na sociedade portuguesa, há uma falta aflitiva dessa coragem. A dos homens antigos, protagonistas de histórias que comoveram e dignificaram quem nelas participou, que ousaram e arriscaram.

Há medo de perder o emprego, há medo de sofrer represálias, medo de ter vergonha, medo do futuro, medo de ter medo. Medo de tudo isso sem ter a noção de que pior do que esses medos todos é o medo de perder a alma. Mas esse é o medo só dos homens corajosos.

Há muitos anos, o poeta José Gomes Ferreira escreveu o livro Aventuras do João Sem Medo que contava a história de um rapaz valente que, farto de viver na terra “Chora-Que-Logo-Bebes” onde toda a gente choramingava, decidiu saltar o muro que rodeava a aldeia, começando uma aventura em que teve de enfrentar as dificuldades do caminho que escolheu. Recusou, por exemplo, a via mais fácil, que seria consentir que lhe cortassem a cabeça para não pensar.

Sem coragem, não há justiça. A firmeza que a coragem implica obriga à justa e incorruptível avaliação das situações.

Nos tempos de hoje, anda-se muito distraído destes valores e esse esquecimento é origem de muitas desordens na vida pública e na vida privada.

Já os filósofos gregos alertavam para a necessidade de “cuidar da alma”, envolvendo a filosofia na busca de um caminho para o bem-estar individual, mas também social, despertando a atenção ético-política relativamente à cidade e aos cidadãos.

Cuidemos da alma para arranjar coragem para saltar o muro, neste novo ano de 2014.

Técnica da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa
 
 

Sugerir correcção
Comentar