Quando os ventos do exterior acabam com as intenções de reforma
Em 1973 e 1993, Portugal viveu crises económicas desencadeadas por condicionantes vindas do estrangeiro. O ano que agora acaba vem confirmar a regra: existe uma relação amaldiçoada entre os anos terminados em 3 e a economia portuguesa.
Em 1973, com o país envolvido no esforço da guerra colonial, Portugal conseguia ainda uma variação do PIB de 11,2%, mas a expectativa era já a de que se poderia estar a chegar ao fim de um período de crescimento económico forte quase ininterrupto.
Entre 1961 e 1973, o PIB per capita tinha passado de 39,6% da média da UE a quinze para 58,4%. O que aconteceu nesses anos foi uma chegada atrasada de Portugal a uma economia moderna, deixando finalmente de ser uma economia predominantemente rural. A agricultura representava 34% do PIB e 43% da população empregada em 1958. No espaço de 15 anos, passou para 16% do PIB e 34% da população, valores que ficavam ainda assim acima da média dos países mais ricos da Europa. Esta mudança estrutural repentina foi feita através de um crescimento da indústria transformadora e do aumento da produção de serviços públicos, como o fornecimento de electricidade, gás e água.
Ao mesmo tempo, verificou-se uma abertura progressiva ao comércio externo. A soma das importações com as exportações representava 41% do PIB em 1961 e chegou a 1973 a valer 56% do PIB. Foi durante este período que Portugal avançou para a participação na EFTA, reduzindo a sua política de taxas aduaneiras altas e de protecção da produção interna.
A guerra colonial teve, de acordo com a maior parte dos economistas, um impacto relativamente reduzido. É certo que conduziu a uma maior pressão sobre o défice público, constituindo um desafio para a política de contas públicas equilibradas que foi seguida durante o Estado Novo. O executivo conseguiu, contudo, manter o défice do Estado a níveis baixos.
Do mesmo modo, a balança com o exterior não se agravou. Neste caso com o contributo decisivo das remessas dos emigrantes. Entre 1966 e 1973 saíram do país quase 2% da população em cada ano. O dinheiro que reenviavam para Portugal servia para compensar os défices comerciais registados e evitar a acumulação de problemas na balança de pagamentos.
A enorme massa de população que emigrava contribuiu também para que a taxa de desemprego se mantivesse a níveis muito reduzidos e conduziu à diminuição do subemprego em sectores como a agricultura, especialmente.
No total, entre 1966 e 1973, Portugal registou uma taxa de crescimento anual média de 7%, uma das fases de convergência mais acelerada com o resto da Europa que o país atravessou durante o último século.
No entanto, logo em 1973, os sinais de fim de ciclo económico começaram a surgir, provenientes do exterior. A economia mundial já estava em convulsão pela saída dos EUA, dois anos antes, do sistema de Bretton Woods e, em Outubro desse ano, os membros árabes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo iniciaram um embargo, com cortes sucessivos na produção de crude, que lançou o globo na mais grave crise petrolífera de sempre.
Os preços do petróleo quadruplicaram e as principais economias do planeta entraram em recessão. A Bolsa de Nova Iorque registou entre o início de 1973 e o final de 1974 uma queda de 45% no valor das acções cotadas. Na bolsa londrina, a queda foi de 73%.
Em Portugal, os efeitos negativos também foram rápidos e acabaram por se confundir com os da instabilidade política trazida pela revolução de Abril de 1974, com alterações profundas na estrutura económica do país. Nesse ano, a economia quase não cresceu e, em 1975, em particular, o PIB caiu 4,3%, um valor não superado por crises posteriores. Em três anos, o peso do PIB per capita português na média da UE diminuiu 5,2 pontos percentuais.
Marcelo Caetano tentava, baseado numa estratégia económica que tinha até aí assegurado taxas de crescimento positivas, ganhar tempo para reformar o regime e a economia internamente e de forma progressiva. A crise económica mundial tornou a concretização dessa tarefa ainda mais improvável.
Crise cambial europeia
Em 1993, Portugal saía de um período de sete anos seguidos com taxas de crescimento do PIB superiores a 3% e sempre acima da média europeia. A economia tinha estabilizado depois da crise do início dos anos 80 e da intervenção do FMI. E aproveitando o impulso da adesão à Comunidade Económica Europeia em 1986, com a entrada de fundos europeus, uma ainda maior abertura da economia ao exterior e a atracção de mais investimento estrangeiro, conseguiu um ritmo de convergência com a média europeia muito elevado. Entre 1984 e 1995, o intervalo foi reduzido em cerca de 18 pontos percentuais.
Foi um período em que o investimento directo estrangeiro disparou, com várias empresas a aproveitarem a mão-de-obra relativamente barata num país-membro da CEE, e com operações de privatização de empresas públicas importantes que captaram o interesse de investidores internacionais e domésticos.
Com os défices públicos ainda longe de estarem perto de zero, a dívida pública reduziu-se devido ao crescimento da economia e à utilização de parte das receitas de privatizações no abate dos níveis de endividamento.
O país iniciava também o seu caminho para a entrada na moeda única europeia, apostando numa política monetária restritiva, que não permitisse uma inflação alta e mantendo o escudo dentro dos intervalos exigidos face às outras divisas europeias. Em Abril de 1992, Portugal tinha passado a integrar mecanismo de taxas de câmbio do sistema monetário europeu, a antecâmara para a criação do euro.
Cavaco Silva ia na sua segunda maioria absoluta e esperava manter um desempenho económico positivo, com taxas de desemprego próximas dos 4%, para assegurar uma continuidade social-democrata na governação.
A partir de 1993, tornou-se claro que tal não seria possível. No Verão do ano anterior, o mecanismo cambial europeu entrou em crise. O problema foi iniciado com a reunificação alemã que levou o Bundesbank a subir de forma acentuada as suas taxas de juro. Os outros países europeus, para tentar manter a sua moeda dentro dos intervalos previstos pelo mecanismo, tiveram de acompanhar esse movimento, subindo taxas de juro e prejudicando assim a evolução das suas economias.
Nos mercados, investidores como George Soros começaram a apostar que os governos e os bancos centrais europeus não iriam conseguir suportar a permanência no mecanismo cambial. Foi o que aconteceu com o Reino Unido ainda em 1992.
O Banco de Portugal também se viu, a partir de Agosto de 1992, forçado a intervir no mercado, usando as suas divisas estrangeiras para manter o valor do escudo. As taxas de juro subiram, prejudicando a economia, e a manutenção no mecanismo apenas foi conseguida devido a sucessivas autorizações para o realinhamento da paridade central do escudo e o alargamento em Agosto de 1993 das bandas de flutuação do mecanismo cambial.
No final de todo este processo, a economia europeia entrou em recessão e Portugal foi um dos países mais afectados. Em 1993, o PIB caiu 2% e no ano seguinte não conseguiu mais do que um crescimento de 1%.
Nesses dois anos, o Governo de Cavaco Silva, obrigado a medidas de consolidação orçamental, assistiu a uma acentuada queda de popularidade, que conduziu à vitória do Partido Socialista nas eleições legislativas de 1995.
A chegada da troika
Agora, mais uma vez, o país enfrenta os efeitos de uma crise no projecto europeu, esta de uma escala bastante maior do que a de 1993.
Desde que, em 2010, a Grécia começou a sentir dificuldades em obter o financiamento de que precisava nos mercados, todos os outros países da chamada "periferia da zona euro" – com Portugal à cabeça – deixaram de contar com as taxas de juro baixas a que se habituaram durante a década anterior.
E, a partir de 2011, em troca de empréstimos dos parceiros europeus e do FMI, o Estado português comprometeu-se com uma política de forte austeridade orçamental, que acabou por ter um impacto muito negativo na actividade económica. Este ano será o terceiro consecutivo em que se regista uma contracção do PIB. A divergência face aos níveis de riqueza dos primeiros quinze membros da UE foi, entre o início de 2011 e o final de 2013, de 4,8 pontos percentuais do PIB, o pior resultado registado em Portugal pelo menos nos últimos 60 anos. E poderá não ficar por aqui.
Passos Coelho tem anunciado, para o seu mandato, objectivos reformistas para economia, reduzindo o peso do Estado e liberalizando os mercados de produto e de trabalho. As próprias exigências da troika conduzem o Governo para esse rumo. Mas são cada vez maiores as dúvidas de que o actual Governo possa prolongar o seu mandato num cenário de crescimento negativo ou quase nulo e de desemprego elevado.
Se após as crises do início dos anos 70 e 90 do século passado Portugal conseguiu regressar a taxas de crescimento elevadas e taxas de desemprego reduzidas no espaço de dois ou três anos, agora poucos são os economistas que arriscam fazer previsões tão optimistas. Apesar de anteciparem uma variação positiva do PIB em 2014, nem mesmo o Governo e a troika apontam para taxas de crescimento do PIB elevadas, superiores a 2%, pelo menos até 2016. E a taxa de desemprego, neste momento nos 15,6%, dificilmente conseguirá cair num curto espaço de tempo, para os valores do passado.
Será este um dos paralelos que se pode encontrar entre 1973, 1993 e 2013: políticas de inspiração reformista interrompidas pela realidade internacional e interna? O economista Pedro Lains acredita que sim. “Marcelo Caetano e Cavaco Silva tinham pretensões de ficar na história como reformistas. Passos Coelho parece também querer um lugar parecido. No entanto, as suas políticas acabaram por embater contra a realidade internacional, não conseguindo acompanhar as alterações que se estavam a produzir. Não é só o resultado da sua acção, mas é também o resultado daquilo que é a realidade do país. A verdade é que nenhum deles mostrou perceber isso”, afirma.
Este é o primeiro de uma série de artigos sobre a evolução de Portugal nos últimos 40 anos, tendo como pontos de referência os anos de 1973, 1993 e 2013