Morreu Albino Aroso, o "pai" do planeamento familiar

Médico tinha 90 anos. É considerado um dos principais responsáveis pela impressionante queda da mortalidade infantil em Portugal.

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Albino Aroso Paulo Ricca/Aquivo

Secretário de Estado da Saúde por duas vezes, o médico baptizado com o incontornável cliché de "pai do planeamento familiar" esteve na base da legislação que foi determinante para alterar o panorama da saúde materna e infantil em Portugal. Foi um dos principais responsáveis pela inversão da taxa de mortalidade infantil, que passou das piores para uma das melhores do mundo em poucos anos.


Nascido em Vila do Conde, em 22 de Fevereiro de 1923, numa família de lavradores, publicou a Lei do Planeamento Familiar quando era secretário de Estado no VI Governo Provisório, com Sá Carneiro, em 1976 .  Mais tarde, quando voltou ao cargo a convite de Leonor Beleza, entre 1987 e 1991, liderou a Comissão Nacional de Saúde Materno-Infantil que acabaria por encerrar 150 maternidades em todo o país.

“Foi o primeiro médico ginecologista português a lutar pelos direitos das mulheres em geral e pelo direito à contracepção, contra a Igreja e os colegas [de então]”, recorda o pediatra Octávio Cunha, que percorreu “milhares de quilómetros” pelo país com ele, durante a primeira reorganização dos blocos de parto. Tudo para explicar a médicos, autarcas e cidadãos que fazia sentido concentrar serviços para melhorar as condições de assistência às mulheres e crianças.

A mãe marcou-o profundamente – ficou órfão de pai aos sete anos – e foi ela quem o conquistou para “a causa” da defesa dos direitos das mulheres. Foi justamente por influência da mãe e a conselho de tio, que era médico, segundo contou numa entrevista, que optou por um curso “que pudesse atenuar a vida miserável das mulheres”. As mulheres, não se cansou de defender, deviam ter os filhos que quisessem ter. Aroso foi pai de sete filhos, que lhe deram oito netos. “Temos que nos adaptar à mudança brutal da sociedade. Não é preciso aumentar a população, mas sim mantê-la”, considerava.

Licenciado pela Faculdade de Medicina do Porto com 16 valores, começou a trabalhar no Hospital de Santo António, ainda passou por sete países europeus com bolsas de estudo e, regressado a Portugal, foi um dos fundadores da Associação Portuguesa para o Planeamento Familar (APF), em 1967.

Dois anos depois, criou a primeira consulta pública de planeamento familiar, no Hospital de Santo António. Numa altura em que era proibido receitar contraceptivos, a consulta foi um rotundo sucesso. Já como director do Serviço de Ginecologia do hospital, determinou que as mulheres que chegavam à urgência com complicações após um aborto, e que até então eram tratadas “a frio”,  passariam a ter direito a anestesia antes da evacuação do útero.

Mas foi depois da revolução de 25 de Abril de 1974 que pode deixar a sua marca. “Logo a seguir ao 25 de Abril, andava pelas aldeias do Norte a fazer sessões sobre contracepção e planeamento familiar. Foi um grande divulgador desta causa e dos seus objectivos, numa região e num tempo em que era difícil falar destas coisas”, vincou à Lusa Duarte Vilar, director executivo da APF.

Sempre muito activo, já octogenário, voltou a integrar uma comissão responsável pelo polémico encerramento mais uma dezena e meia de blocos de partos, no tempo do ex-ministro da Saúde socialista Correia de Campos. "A morte dele afecta-nos a todos, é um exemplo de que nos podemos orgulhar. Foi uma figura histórica da saúde pública em Portugal e uma personalidade ímpar. Na área da saúde, era provavelmente a nossa grande referência viva", reagiu Correia de Campos.

"Extremamente activo e conhecedor, foi um dos responsáveis pelo início do processo de modernização dos serviços de saúde em Portugal. É uma grande perda", corroborou outro ex-ministro da Saúde, Paulo Mendo.

Homem de direita, Albino Aroso foi ainda um dos mais empenhados activistas da causa da despenalização da interrupção voluntária de gravidez. Depois de se reformar, continuou a ver doentes até bem tarde (82 anos)  e dedicou-se a outra paixão, a agricultura, numa quinta que possuía em Guilhabreu, Vila do Conde.

Condecorado por três presidentes da República, foi a primeira personalidade a ser galardoada com o Prémio Nacional de Saúde, em 2006. No ano anterior, tinha sido considerado pela Associação Médica Mundial um dos 65 clínicos "mais dedicados" às causas públicas em todo o mundo.

O director-geral da Saúde, Francisco George, definiu Albino Aroso como "o médico que mais contribuiu para a elevação do nível de saúde de Portugal" e o Presidente da República recordou-o como "um exemplo notável de médico humanista, que dedicou o seu profundo saber e grande experiência à causa pública", recordando o seu contributo decisivo no combate à mortalidade infantil. "Muitos milhares de crianças sobreviveram graças à acção e ao empenho de Albino Aroso", salientou Cavaco Silva numa mensagem de condolências publicada no site da Presidência.

“A medicina portuguesa está de luto”, sintetizou o Ministério da Saúde, em comunicado, considerando que Albino Aroso foi o médico “que mais influenciou o desenvolvimento da saúde da mãe e da criança”. A aprovação da primeira legislação sobre o planeamento familiar foi uma acção “decisiva para colocar Portugal entre os cinco países do mundo com melhores taxas de mortalidade infantil”, acrescentou o ministério.

A vitalidade e jovialidade que o caracterizavam permanece quase até ao fim. Até ficar de cama, há cerca de 15 dias, continuava muito activo, observador e atento como sempre. Leitor militante de revistas como a Time e a Science, que anotava e sublinhava cuidadosamente, reencaminhava tudo de seguida para filhos, netos e amigos. “Vivia para aprender, conhecer e questionar. Perguntava: 'Como será o universo daqui a três milhões de anos?' Fazia sentir fossilizados muitos jovens”, remata o neto.

O corpo de Albino Aroso está em câmara ardente na capela mortuária da Igreja da Lapa. A missa está marcada para esta sexta-feira, às 15h, na Igreja da Lapa, de onde o funeral sai para Canidelo, Vila do Conde.
 
 
 

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