Para cá chegar, é preciso paciência, destreza de espírito e não ter compromissos agendados. Mesmo que seja dia de barco, nada garante que ele exista; a hora anunciada é geralmente atrasada... ou adiantada. Tudo depende das marés, das greves dos trabalhadores, da disponibilidade de o barco ser destinado à travessia Bissau-Bolama, que não gera afluência turística nem prioridade política. Seguem-se cerca de 60 quilómetros esgotados em seis a sete horas de viagem, na companhia de pessoas, galinhas (e por vezes porcos), sacos de arroz e grades de Super Bock.
O porto avista-se ao longe e o alpendre do mítico Sal Pengue também. A varanda de uma casa particular torna-se espaço de convívio ao final do dia, com meia dúzia de cadeiras e uma mesa de plástico. Seja de cerveja na mão ou Mazza de goiaba, o assento mais confortável é sem dúvida o parapeito. Daqui quase que se sente a água a bater no muro, as canoas a boiarem e o verde São João bem lá ao fundo, no continente, que uma só milha de braço de mar separa da ilha Bolama.
Apenas três casas possuem electricidade e os brancos contam-se pelos dedos. Não há caminho sem buracos, também poucos são os pneus que lhes têm de fazer frente. Porcos e cabras à solta, fontes comunitárias indevidamente protegidas dos mesmos. Silêncio arrasador quando o sol se vai, mas bons dias incontáveis a qualquer outra hora. Os sinais na pele dos brancos são vistos pelas crianças como “manchas de Deus” e o desenho de maçãs como tomates ou pêras como papaias.
O hospital, tido como a referência regional, peca no básico, não tendo electricidade, água ou saneamento. Os seus interiores estão em decomposição, os lençóis não existem e é uma luta manter recursos humanos fixos a esta terra isolada. Antiga caserna dos oficiais portugueses, este é apenas um dos muitos edifícios de tempos mais prósperos. Uma cidade em ruínas vive agora do antigamente e luta hoje por ter transporte regular para Bissau, por conseguir captivar investimento e desenvolver o comércio. Mas, mais ainda, em situações de saúde em emergência luta por meios de salvação cuja inexistência é muitas vezes causa de morte.
Escrever sobre a região e não mencionar a Ilha das Galinhas é impensável. Foi pena Albert Uderzo e René Goscinny não terem levado os seus personagens Astérix e Obélix a este pedaço de ilha, pois ter-se-iam integrado na perfeição. Palhotas, uma escola, a igreja evangélica, e campos de futebol a formar os futuros Brumas compõem a ilha. As vacas são montadas pelas crianças caminhos fora e a diversão fica refém da imaginação de cada um. Durante o dia, parte tudo para o mato e, no final, só o exagerado consumo de vinho de caju faz esquecer o cansaço.
Esta é a principal ilha Bijagó, etnia tida como das mais tradicionais e fechadas do país, e se o tempo anda a meio-gás em Bolama, nas Galinhas fica suspenso. De tal maneira que os mais velhos têm dificuldade em recordar a sua idade e o régulo, o chefe de tabanca, assume o cargo, ao tornar-se o mais idoso da comunidade. É um desafio fazer compreender como e quando devem ser tomados os comprimidos e a separação entre famílias é pouco clara. Casados desde cedo, ainda assim as mulheres ficam para um lado e os homens para outro. O dinheiro a circular é praticamente nulo, pois quase não existe troca comercial e quem procura "souvenirs" de artesanato tradicional pode ficar desiludido.
País com 10 etnias, na região sanitária de Bolama convivem muitas delas em harmonia. País em constante instabilidade política, palco de guerras civis e golpes militares, aqui luta-se por assegurar um lugar no mapa da Guiné-Bissau.
A antiga capital da Guiné-Bissau perdeu esse estatuto em 1941 mas adquiriu outro — Bolama tornou-se um museu vivo, um retrato de uma ex-colónia portuguesa, testemunha do tempo parado, de valor patrimonial e de quão crua pode uma beleza ser.