Costa Rica: a felicidade de não ter um exército

É numa das regiões mais instáveis do mundo que está um dos países que fez do pacifismo um modo de vida e que se orgulha de ter mais professores do que soldados.

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À falta de soldado, é a polícia que trata da segurança no país Reuters

Na manhã de 1 de Dezembro de 1948, o Presidente, José Figueres Ferrer, declarava “oficialmente dissolvido o Exército Nacional, por considerar suficiente para a segurança do país a existência de um bom corpo de polícia.” “O Exército Regular da Costa Rica (…) entrega a chave deste quartel às escolas, para que seja convertido num centro cultural.” Não obstante o carácter louvável da deposição das armas, por trás da decisão do novo Presidente estiveram razões bem mais pragmáticas. A subida de Ferrer ao poder aconteceu depois de um confronto militar entre o Exército da Costa Rica, apoiado por guerrilhas comunistas, e a sua própria facção de homens armados. A ausência de forças armadas na Costa Rica significava também a ausência de ameaças para Don Pepe, como era carinhosamente conhecido.

O investigador do Instituto de Ciências Sociais (ICS) Andrés Malamud sintetiza os ganhos que a Costa Rica obteve nas últimas décadas: “Em contraste com a maioria da América Central, não teve mais guerras civis e, em contraste com a maioria da América Latina, não teve mais golpes de Estado.”

Para além disso, a falta de forças armadas permitiu que os orçamentos para a educação e para a saúde fossem mais generosos. Não é por acaso que a Costa Rica é conhecida como a “Suíça da América Latina”. A esperança média de vida tem um valor quase nipónico, de 78 anos, e a taxa de alfabetização é de 96,3%, valores que fariam corar muitos países europeus.

Nas relações externas, a Costa Rica aposta nas virtudes do “multilateralismo”, confiando na diplomacia e no papel das instituições supranacionais para a resolução de conflitos. É o que tem acontecido com o diferendo que envolve a fronteira com o Nicarágua. As reivindicações territoriais entre os dois países têm mais de um século, mas em Outubro de 2011 conheceram novos desenvolvimentos. Um grupo de trabalhadores nicaraguenses foi enviado para a foz do rio San Juan – a fronteira natural entre os dois países – onde iniciaram a dragagem do local, chegando mesmo a montar um acampamento guardado por 50 soldados em território costa-riquenho. A resposta não tardou, com o Governo da Costa Rica a enviar 70 polícias para o local e a interpor uma acção junto do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ). A Nicarágua argumentou que o local onde o contingente estacionou ainda pertencia ao país, servindo-se de uma imprecisão do Google Maps como prova da reivindicação. Constatando o óbvio, a Google aconselhou os governos mundiais a não tomarem decisões geoestratégicas tendo como base a sua aplicação. A Time chamou-lhe a “guerra do século XXI”.

Em Novembro, o TIJ decidiu a favor da Costa Rica e ordenou Manágua a retirar todo o equipamento e o pessoal que tinha no território disputado. O ministro dos Negócios Estrangeiros da Costa Rica, Enrique Castillo, saudou aquela que foi “uma vitória do direito internacional”. E também do pacifismo costa-riquenho, reconhecido pela comunidade internacional. É na capital, San Juan, que se situa, por exemplo, a sede do Tribunal Inter-Americano dos Direitos Humanos, desde 1979, e foi igualmente na Costa Rica que a ONU instalou, em 1980, a Universidade para a Paz.

Uma região intranquila
Por tudo isto, o pacifismo tornou-se consensual na Costa Rica e é visto como “um factordiferenciador do país face a vizinhos vistos de fora como belicistas, pouco confiáveis e incapazes de construir sociedades equilibradas e justas”, observa o docente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) Marcos Farias Ferreira. No entanto, o aparecimento recente de um grupo armado que afirma estar a preparar-se para defender o país na eventualidade de um conflito vem mostrar que o pacifismo pode não ser tão transversal como aparenta. Trata-se de um grupo de cerca de cem elementos, liderados por um ex-chefe da polícia, que se autodenomina como “Frente Patriótica para a Defesa Nacional” e que afirma ter passado os últimos meses em exercícios militares na selva do país.

A Presidente da Costa Rica, Laura Chinchilla, demarcou-se de imediato das acções do grupo, afirmando que “esta é a via que levou outros países latino-americanos a importar fórmulas guerrilheiras ou paramilitares.” A resistência do Governo costa-riquenho tem por base os vários exemplos, por toda a América Latina, de grupos armados que degeneraram em ameaças internas para os próprios regimes, tais como as Autodefesas Unidas da Colômbia, o Exército Popular do Povo Paraguaio ou o Sendeiro Luminoso.

Não é provável que este tipo de grupos encontre terreno fértil na pacífica Costa Rica, apesar de haver o reconhecimento de que os desentendimentos fronteiriços mais recentes obrigam a um fortalecimento em matéria de segurança. “A linha que separa este reforço da militarização é muito ténue”, afirma Marcos Ferreira. No entanto, o docente prevê que, “na conjuntura actual os actores políticos não defenderão essa alteração tão crítica do carácter e da identidade do país.”

O tempo em que os homicídios e os golpes de Estado eram a forma privilegiada de substituição dos líderes políticos na América Latina já são relíquias, mas nem por isso os conflitos cessaram. Considerando que “a possibilidade de guerra entre dois Estados é baixa”, o investigador do Council of Hemispheric Affairs (COHA), Alejandro Sanchez, sublinha que “os problemas e os desafios à segurança da região são hoje em dia de carácter interno” e elege o narcotráfico e os grupos violentos como as maiores ameaças.

Depois da Costa Rica, também o Panamá aboliu as suas forças armadas, após a queda de Manuel Noriega em 1989, sugerindo que o exemplo costa-riquenho pudesse ser seguido. No entanto, ambas as decisões foram conjunturais, não fazendo supor, segundo Marcos Farias Ferreira, que outros países sigam o mesmo caminho.

As cautelas quanto à segurança da América Latina ainda imperam nas opções militares da maioria dos países. Alejandro Sanchez defende que “é seguro não ter um exército, mas são necessárias forças de segurança internas (polícia, guarda costeira e fronteiriça, entre outras) porque a região não é pacífica.”

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