O défice e o excesso

O Governo apostou, de novo, no risco dos limites constitucionais e desvalorizou princípios essenciais do Estado de direito que existem antes e acima dos credores. A convergência das regras da Segurança Social (SS) e da Caixa Geral de Aposentações (CGA) é correcta. Mas o executivo foi demasiado longe com a retrospectividade do cálculo de pensões já formadas. O défice não se resolve com o excesso. Portugal não é uma república nem das bananas nem das laranjas.

Esta decisão é também significativa de que não vale tudo no caminho (necessário) de consolidação orçamental e que não se pode violar facilmente o princípio ético pelo qual os fins não justificam todos os meios.

Um programa de ajustamento num contexto de inexistência de moeda própria escolhe discricionariamente as “vítimas”, ao contrário de uma desvalorização monetária onde todos os tipos de rendimentos e activos suportam os custos. Mais uma razão para o Governo sopesar medidas que oneram grupos indefesos, sempre os primeiros alvos para a consolidação orçamental.

O “regime sacrificial” (na certeira expressão do Presidente da República) de um pensionista médio é já o somatório de mais e mais IRS, de sobretaxas, da contribuição de solidariedade (CES), da não actualização das pensões, da redução de comparticipação de medicamentos, da redução da pensão de sobrevivência, da eliminação de passes de transporte reduzidos, etc.

Utilizar deste modo as pensões públicas como instrumento orçamental de efeito imediato é uma ínvia e danosa maneira de erodir uma verdadeira e geracional reforma. E tem implícito o “efeito boomerang” de minar o princípio da confiança, de gerar instabilidade e imprevisibilidade das regras e de incitar a desoneração ética do esforço tributário.

Plano B? O primeiro-ministro lançou a ameaça de um equivalente aumento de impostos. Um erro não se corrige com outro e repetido erro. 388M€ são apenas 0,25% do PIB. Há uma saída lógica que é a de passar o défice de 4% para 4,25%. Alguém achará que o tão invocado mercado se alterará por causa desta diferença? Se a troika este ano aceitou que o défice passasse de 3% (cf. memorando inicial) para 4,5% e finalmente para 5,5%, por que não aceitaria esta situação? Aliás, basta aplicar em dose reduzida ao OE 2014 o que C. Lagarde disse quanto à excessiva velocidade dos programas de ajustamentos orçamentais.

Curiosa é a circunstância de o TC declarar inconstitucional o corte nas pensões constituídas, mas não se ter oposto a um específico imposto sobre as mesmas (a CES) de efeito semelhante. Será assim tão decisiva a forma tomada para medidas com resultados idênticos? Será que uma viola o princípio da confiança e a outra não?

 


 

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