A mecânica do transe explicada pelos Camera
A banda berlinense toca esta noite no Musicbox, em Lisboa, e amanhã nas sessões Trips à Moda do Porto, no Plano B
Nos anos 1970, bandas como os Can, os Neu! ou os Harmonia inventaram uma linguagem nova: música mutante, híbrido de rock e electrónica, futurista em conceito e primitiva no efeito (o som sente-se, o corpo move-se, a mente viaja). Os Camera, então. Um baterista tocando de pé o rimo imparável, o guitarrista e o homem das teclas a trabalharem infatigavelmente para nos induzir uma sensação de transe (sabe-se lá quantos quilómetros acima da Terra).
Segredo por revelar, os Camera estão de regresso. Tocam sexta-feira no Musicbox, em Lisboa (24h, 8€). Sábado estarão na festa Trips à Moda do Porto, no Plano B (início às 22h, 15€), onde serão acompanhados por Eric Copeland, dos Black Dice, e pelos The Cosmic Dead, banda escocesa que, volume no máximo, sintetiza vários tipos de psicadelismo e soube também ela aproveitar da melhor maneira o legado do krautrock. Antes da subida ao Porto, os The Cosmic Dead tocam sexta no Centro Cultural do Cartaxo. Sobem também a palco os ortugueses Asimov, outra banda com boa discografia germânica na década de 1970 em casa, e os Gesso (23h, 6€).
Directamente da sala de ensaio da banda em Berlim, o teclista Timm Brockmann fala-nos de como Berlim foi determinante para aquilo que são os Camera: “Estávamos no sítio certo à hora certa. Uma cidade aberta, com espaços onde se respira ruído e liberdade”. Uma banda que andou às voltas com estruturas de canções mais convencionais, que falhou nessa ambição e se descobriu verdadeiramente quando tentou exactamente o contrário: “Começámos a fazer jams e a esperar que algo nascesse daí. Seguimos as sensações imediatas”. A escolha correcta. Nascia então este trio fascinado com a “estrutura mecânica” da krautrock e com a “motorik” dos Neu!, ou seja, o ritmo cadenciado, mecânico, lá está, criado pelo baterista Klaus Dinger: “permite ter controlo sobre a música, mas também perdermo-nos nela, dançar e deixar a mente viajar livremente”.
Timm Brockmann foi o último a juntar-se à banda. Inicialmente formados pelo duo Franz Bargmann (guitarra) e por um baterista com apelido perfeito para a função (o seu nome é Drummer, Michael Drummer), músicos de rua que se conheceram na rua, os Camera foram acolhendo diversos outros músicos e tocando música diversa antes de estabilizaram no trio que mantêm até hoje.
Os concertos guerrilha nasceram do desejo "confrontar as pessoas com o inesperado" e foi facilitado pelo "carácter portátil da banda" - o material é em número reduzido e facilmente transportável. E o som da banda, como que novo elo nessa cadeia iniciada com a revolucionária música alemã da década de 1970, nasce de saturação: "o meio musical está saturado de canções normais e as pessoas procuram uma antítese. Procuram liberdade e procuram libertar-se do que encontram no mainstream, o que vem a par desta onda retro e vintage que se propaga por todo o lado, da música às artes e à moda". A cadência repetitiva da sua música e a entrega sem rede ao improviso (cada canção pode demorar todo o tempo que a banda e público julguem adequados) são a resposta dos Camera a esse desejo de liberdade. Perceberam-no Michael Rother, histórico guitarrista dos Neu! e dos Harmonia, e Dieter Moebius, dos Cluster e dos Harmonia, que os convidaram a colaborar consigo nos últimos tempos.
Actualmente, já deixaram os concertos “guerrilha” que primeiro lhes deram fama – porque, explica Timm, continuar a fazê-los seria tornar previsível o que nasceu do desejo de surpreender. O ano passado reformularam os propósitos iniciais (não compor, não tocar em salas de concertos, não gravar) e editaram Radiate!, o álbum de estreia. Ouvimos o disco,e vimo-los depois do Milhões de Festa. Não perdemos nada. Começámos a contar as horas para o reencontro.