Voltemos, então, a citar a “regra de três” que Steven Soderbergh estabeleceu (aquando do seu magistral Ocean's Eleven) para a quebrar na primeira ocasião (aquando do seu sublime Solaris): é sempre preferível refazer um filme mau porque se o original for bom dificilmente se conseguirá igualar o nível. É regra na qual Spike Lee embate com a mesma violência do martelo que o seu herói empunha durante os momentos-chave de Oldboy, remake do filme de culto de 2003 do coreano Park Chan-wook sobre um homem aprisionado durante 15 anos que é libertado para resolver o mistério da sua clausura. A questão é simples: mesmo com Lee aos comandos e um bom elenco, não há razão nenhuma para uma remake americana de Oldboy, premiado em Cannes em 2004 por um júri presidido por Quentin Tarantino, a não ser a preguiça mental de uma Hollywood que tem alergia a filmes com legendas. O realizador de Não Dês Bronca e A Última Hora aproveitou a oportunidade para sobrepor à (fidelíssima) trama original o seu habitual olhar indignado e mal-disposto sobre a América moderna.
O nosso herói, interpretado por um Josh Brolin justíssimo, é agora um publicitário manhoso, aspirante a “senhor do mundo” cujos (aqui) vinte anos de clausura, impostos por um dos membros do “um por cento”, atiram para um percurso de redenção da América autista e decadente das últimas duas décadas. É como se estivesse a lavar em sangue as duas presidências de Bush, os traumas do 11 de Setembro e da guerra do Iraque e do furacão Katrina, ao mesmo tempo que a constante vigilância de todos os seus passos remete para os actuais escândalos da NSA. Tudo montado em modo de “encomenda” veloz e pujante, com Lee a “responder” às glorificações grindhouse de autor de Tarantino com o seu mau feitio habitual, com um evidente domínio formal mas também sem grande personalidade ou convicção estilística; e dá um grande tiro no pé ao tentar recriar um dos momentos emblemáticos do Oldboy original, tropeçando na impossibilidade de o igualar e literalmente “parando” o filme para nada.
E aí se resume o problema de Oldboy. É certo que a última grande ficção de Lee foi uma encomenda (o magnífico Infiltrado, 2006), mas aqui fica sempre a ideia de que o nova-iorquino, apesar de não ter tido medo da violência da premissa, está sempre tolhido pela sombra de Park Chan-wook (e convirá não esquecer que houve aqui problemas de produção, com um director's cut de três horas cuja recusa pelos produtores “esfriou” o entusiasmo quer de Lee quer de Brolin em apoiar a estreia). Oldboy não é uma catástrofe nem um falhanço para esquecer. É, apenas, um filme tão honesto quanto inútil. E isso, tendo em conta o que está a refazer, é fatal.