A polémica privatização dos correios já está em cima da mesa desde os anos 80

Esta semana será decisiva para a venda dos CTT. Hoje termina o prazo para fazer ordens de compra de acções e, na quinta-feira, está prevista a estreia em bolsa.

Termina nesta segunda-feira o prazo para ordenar a compra de acções PÚBLICO/Arquivo

Depois da primeira aproximação do executivo de Mário Soares, que não foram além de vagas abordagens ao tema, a intenção de privatizar os CTT só se tornou mais consistente a partir de 1985, já com o histórico socialista na Presidência da República e Cavaco Silva no lugar de primeiro-ministro. No programa do X Governo Constitucional, que tomou posse a 6 de Novembro desse ano, abriu-se a primeira fresta da venda do grupo que, na altura, abrangia os CTT, os TLP (Telefones de Lisboa e Porto) e a Marconi (integrada na Portugal Telecom em 1995). “A participação da poupança privada no capital próprio das empresas de telecomunicações será estimulada desde que ultrapassados alguns condicionamentos legais”, referia o documento.

As reacções não se fizeram esperar. Num artigo de opinião n'O Jornal, um antigo administrador dos CTT, Palma Sequeira, escrevia, a 7 de Março de 1986, que “a plenitude da dinâmica empresarial não é conciliável com a mal disfarçada prática dos últimos anos de sistemática ingerência do Terreiro do Paço”, onde ainda hoje está instalado o Ministério das Finanças. O avolumar das críticas face à intenção de privatizar o sector levou inclusivamente o Governo a avançar com uma sondagem junto de “70 individualidades do sector” para auscultar sensibilidades, como avançava o Expresso em Setembro. Não se encontra, no entanto, notícias posteriores a dar conta dos resultados desse inquérito.

A verdade é que, em 87, Cavaco Silva tentou dar um passo importante para concretizar a medida inscrita no programa do seu Governo: A criação de uma comissão para estudar o sector das telecomunicações. As conclusões deste comité, que apontavam para a separação e privatização das empresas públicas da área, acabaram por se tornar realidade nos anos seguintes, muito fruto da vaga de privatizações que viria a consumar-se a partir do início dos anos 90.

Uma vaga que tem na sua origem a aprovação no Parlamento, ainda em 88, da segunda revisão da chamada Lei dos Sectores, que trouxe a possibilidade de privatizar até 49% do capital das empresas do Estado. Nos dois anos seguintes, deu-se a segunda revisão constitucional e, por fim, a Lei-quadro das Privatizações. E, assim, estava montado o quadro legal de abertura aos privados. Ao mesmo tempo, crescia dentro do Governo a vontade de reestruturar o sector das telecomunicações. E também se intensificava o braço-de-ferro com a administração dos CTT/TLP, cujo presidente, Viana Baptista, sempre pediu cautela em relação ao processo, nomeadamente em relação a tudo o que fosse vender o que era público a terceiros.

Agrupar antes de vender
Cerca de 14 anos após a data das nacionalizações, em Março de 1975, nasce a primeira operação de privatização. No final de Abril de 1989, o Estado desfaz-se de 49% da Unicer (totalmente alienada no ano seguinte) através de uma dispersão do capital em bolsa. Seguem-se muitos outros anéis, sobretudo na área da banca, como o Totta & Açores e a seguradora Aliança. E a especulação sobre o que se seguiria ganha fôlego, sempre com as telecomunicações a serem apontadas como um dos sectores a sair da esfera pública.

Mas, antes, era preciso resolver um problema de fundo. O Governo queria dar um sentido ao grupo formado pelos CTT e pelos TLP e encontrar um caminho para a Marconi. Foi nessa altura que começaram a criar-se as bases para a criação de uma holding que iria agregar todas as participações do Estado no sector das telecomunicações. A CN – Comunicações Nacionais nasceria em Maio de 1992. Sob a sua alçada ficaram os CTT (que se tornou sociedade anónima de capitais públicos), os TLP (também já autónomos), a Marconi, a Teledifusora Nacional (Tdp) e a Telecomunicações Móveis Nacionais (TMN), criada em 1991.

No ano em que foi constituída a CN, criou-se também a Portugal Telecom (PT), que englobou o negócio de telecomunicações que estava dentro do universo dos CTT, passando esta última a dedicar-se exclusivamente aos correios. É quase em simultâneo que começam a aparecer declarações de interesse na privatização do grupo. A primeira foi protagonizada pela Pinto Basto, cuja fundação remonta a 1771, noticiava o Expresso nessa altura.

O nascimento da CN, e o consequente foco dos CTT no serviço postal, também alimentou uma ideia que ainda hoje não saiu do papel: a criação do banco postal. A prestação de serviços bancários nas estações dos CTT, que esteve muito perto de funcionar de forma consistente em 2001 quando foi firmada uma malsucedida parceria com a Caixa Geral de Depósitos, volta agora a estar perto da concretização, já que o Banco de Portugal autorizou na semana passada a concessão de uma licença ao grupo. A abertura do banco postal, que foi usada pelo actual Governo para aguçar o apetite dos investidores, dependerá ainda da luz verde dos órgãos sociais da empresa, depois de a privatização em curso estar concluída.

A partir do início dos anos 90, as promessas de privatização do grupo esbarraram sempre num tema: O fundo de pensões dos CTT e os défices que acumulava. Ao Expresso, os sindicatos declaravam em Setembro de 1992: “Se o Governo mantiver o silêncio sobre o assunto, a quem iremos, no futuro, pedir contas pelas pensões devidas aos trabalhadores? Os patrões privados dirão que nada têm com isso e o Governo responderá que a empresa já não é estatal”. Foi necessária mais de uma década para que o fundo de pensões fosse transferido para o Estado, em 2003, com Manuela Ferreira Leite no cargo de ministra das Finanças.

A privatização da PT acabou por antecipar-se à dos correios, em Junho de 1995. Hoje, a operadora é 100% privada, tendo anunciado recentemente a integração na brasileira Oi. O Estado manteve uma golden share, que foi desfeita apenas em 2011. No entanto, a venda dos CTT continuou a fazer-se expressar pela voz de governantes e de gestores. No mesmo ano em que a PT foi parcialmente alienada, o presidente dos correios, Carlos Horta e Costa, declarava ao Expresso, na primeira entrevista após assumir o cargo, que queria “preparar a empresa para a privatização”. O seu sucessor, Emílio Rosa, diria mais tarde (1999) ao mesmo jornal, que “não é moda nos correios privatizar”.

Da ideia à concretização
Os avanços e recuos foram-se sucedendo, seguidos de perto pelos sindicatos. Tal como aconteceu na semana passada e se repetirá no final de Dezembro, já em 2003 eram marcadas greves contra a privatização dos CTT, que afinal só viria a consumar-se daí a dez anos. É que, nessa altura, Carlos Horta e Costa (que tinha regressado à liderança do grupo) garantia ao PÚBLICO que a venda “já estava a ser preparada”.

Quando o Governo liderado por José Sócrates entrou em funções, em Março de 2005, as incertezas sobre a venda dos correios continuaram. Se em Outubro desse ano o secretário de Estado das Obras Públicas e Comunicações, Paulo Campos, afirmava que a privatização “avançaria”, o ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, declarava apenas quatro meses depois, que “não estava em cima da mesa”.

Em 2010, o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) apresentado pelo executivo PS desfez as dúvidas. Os CTT constavam no documento como uma das empresas a privatizar. À semelhança do que aconteceu no processo agora em curso, a Urbanos foi um dos investidores que se apresentou na corrida, mostrando interesse em ficar com uma fatia ou com a totalidade dos correios. Alfredo Casimiro, fundador e presidente do grupo de logística, foi um dos maiores críticos da opção feita pelo actual Governo de dispersar o capital da empresa em bolsa, em detrimento de uma venda directa. “É um erro crasso”, afirmou ao PÚBLICO em Outubro.

Os meses foram passando e a inscrição da venda dos CTT no PEC não teve consequências práticas. Em Março de 2011, quando José Sócrates se demitiu na sequência do chumbo da quarta versão do programa, a privatização migrou para o memorando de entendimento assinado entre o Governo PS e a troika, com o acordo dos maiores partidos da oposição, na sequência da intervenção financeira da Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional.

No ponto 3.31 do memorando, Portugal compromete-se a “acelerar o programa de privatizações” e tudo o que se segue é igualmente vago. “O plano existente para o período que decorre até 2013 abrange transportes (ANA, TAP e CP Carga), energia (Galp, EDP e REN), comunicações (CTT) e seguros (Caixa Seguros), bem como uma série de empresas de menor dimensão”.

Sob uma chuva de críticas da oposição e dos sindicatos, o executivo liderado por Passos Coelho materializou o compromisso assumido com as autoridades externas numa venda no mercado de capitais, que culmina a 5 de Dezembro, com a estreia em bolsa dos CTT. Serão alienadas cerca de 105 milhões de acções, representativas de 70% do capital. Hoje termina o período para efectuar ordens de compra por parte dos pequenos investidores e dos trabalhadores, aos quais foi destinada uma parcela de 14% da empresa. 
 

Sugerir correcção
Comentar