Admirável mundo acomodado

Aquilo que permanece inquietante e incómodo na obra é que Aldous Huxley não acreditava na repressão e na violência para eliminar o desejo de mudança social. Pelo contrário, considerava que nada era mais impeditivo do que o comodismo

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DominicsPics/Flickr

Passam 50 anos da morte do escritor Aldous Huxley, romancista e ensaísta, hoje mais conhecido por “As Portas da Perceção”, um ensaio sobre as suas experiências com mescalina, que inspirou o nome da banda The Doors, e “Admirável Mundo Novo”, o romance distópico de 1931 que imaginou uma sociedade futurista dominada pela produção em série e pelo hedonismo.

O livro antecipa muitas das descobertas e tendências do mundo actual, como a manipulação genética, o sugestionamento subliminar, o condicionamento psicológico, o uso de drogas antidepressivas e alucinogénicas e a libertação sexual. Tal exatidão deve-se em grande parte ao facto de Huxley, além da sua vasta cultura, ter nascido numa família de cientistas e estar a par das principais investigações de vanguarda da época. E foi inspirado pelas utopias optimistas de H.G. Wells, pela distopia pioneira “Nós”, de Evgueni Zamiatine, e pela sua própria visão negativa do futuro, e do seu próprio presente, que escreveu “Admirável Mundo Novo”.

No livro pressentem-se os preconceitos do autor em relação à sociedade e cultura de massas e a desconfiança do hedonismo, que Huxley associava à superficialidade e indiferença emocionais e ao egocentrismo. Se a isto somarmos a não-confirmação dos piores temores de Huxley, como a criação genética de castas humanas, a reorientação da ciência para áreas como a nanotecnologia e a cibernética, e o tom, por vezes, intelectualizante e pedagógico do autor, sentimos a obra como estando em parte ultrapassada. Até porque, ao contrário dos alfas, betas, gamas e deltas daquele mundo futurista, não temos mais tempo livre para os prazeres sensuais, mas somos cada vez mais empurrados para uma ética de trabalho que nos exige cada vez mais horas do dia e cada vez mais anos da vida.

Mas aquilo que permanece inquietante e incómodo na obra, e que a distingue de quase todas as outras ficções distópicas, é que Huxley não acreditava que fosse necessário haver repressão e violência para eliminar as novas ideias e o desejo de mudança social. Pelo contrário, considerava que nada era mais impeditivo para a mudança do que a indiferença, o comodismo, o bombardeamento sensorial, as ilusões inconsequentes fornecidas pelo entretenimento, e o conformismo a uma escravidão infindável. E nisso, pelo menos, o livro parece plenamente actual.

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