Astérix entre os "zombies"

Os olhares de Astérix e Obélix parecem mais mortiços, os trocadilhos mais forçados, as situações mais previsíveis, as piadas menos acutilantes, as referências culturais mais óbvias e menos aptas a múltiplas leituras

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Se não for por mais nada, os álbuns de Astérix assinados por René Goscinny e Albert Uderzo são um triunfo de claridade e inteligência. O traço de Uderzo seguia o estilo Átomo, definido por Jijé e Franquin, em que se fundia a elegância estática da linha clara de Hergé com a fluidez da Art Déco, conseguindo delinear personagens do máximo exagero sem as fazer perder a sua expressividade e dinamismo.

Goscinny assinava argumentos inteligentes, de vários níveis de humor, que conseguiam parodiar atitudes francesas, questões atuais, figuras conhecidas e obras mediáticas, fazendo rir mesmo quem não as reconhecia de imediato. E ambos produziram álbum após álbum de forma consistente, mantendo e refinando a receita a cada nova obra, que podia ser lida tanto por crianças como por adultos com igual prazer, mesmo que uns e outros lessem coisas diferentes nas mesmas pranchas.

Estagnação

Tal como aconteceu com outras bandas desenhadas de sucesso, como Blake & Mortimer, Lucky Luke, Alix, Spirou e Fantásio, a saga de Astérix foi continuada, depois da morte do seu argumentista e da reforma do seu desenhador, por outros autores, Ferri e Conrad, sob a supervisão de Uderzo. E o procedimento é o mesmo: os novos autores pegam nos elementos mais emblemáticos da BD original e repetem-nos e baralham-nos, raramente introduzindo elementos de rutura ou que traduzam o seu próprio estilo ou gosto pessoal, seguindo antes a lógica industrial de continuar a gerar os produtos de uma marca, mantendo a sua aparência, mesmo que o conteúdo se vá aos poucos esvaziando.

E é o que acontece no álbum "Astérix entre os Pictos", onde encontramos mais uma viagem a um país famoso, mais sátiras culturais, mais referências paródicas, mais romanos esmurrados, bardos amordaçados, piratas afundados, trocadilhos em série, guerras de sexos, complexos de gordura e banquetes.

Nada de mal por aí, e para muitos leitores será um regresso nostálgico a personagens e universos ficcionais amados. Mas há uma estagnação que se instala: os olhares de Astérix e Obélix parecem mais mortiços, os trocadilhos mais forçados, as situações mais previsíveis, as piadas menos acutilantes, as referências culturais mais óbvias e menos aptas a múltiplas leituras.

E por isso fica a dúvida: num álbum movido mais por interesses comerciais do que artísticos, onde vemos um mundo de Astérix impelido por tiques e fórmulas e não por entusiasmo e ideias, será que estas figuras não se parecem menos com gauleses astutos e mais com zombies cansados, movidos apenas e ainda pela fome do dinheiro.

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