Justiça egípcia manda prender dois rostos da revolução
Nova lei sobre manifestações criticada pelas Nações Unidas.
A nova lei do governo interino nomeado pelos generais obriga os organizadores a avisarem as autoridades com três dias de antecedência antes de qualquer concentração, que o Ministério do Interior pode sempre recusar autorizar. As forças policiais e os militares estão autorizados a dispersar qualquer manifestação não autorizada com recurso a gás lacrimogéneo, canhões de água, granadas de fumo, tiros de aviso, balas de borracha e também munições reais.
Desde os protestos pacíficos que levaram à queda do ditador Hosni Mubarak, no início de 2011, mais de 2000 egípcios foram mortos em manifestações e vários milhares foram feridos com gravidade. “Tem havido uma sucessão de incidentes extremamente graves nos últimos três anos em que as autoridades usaram alegadamente força excessiva contra os manifestantes – mais recentemente durante os mortíferos acontecimentos de 14 de Agosto, em Rabaa al-Adawiya, no Cairo”, recordou a comissária da ONU para os Direitos Humanos, Navi Pilay, depois de criticar ferozmente a nova lei.
Rabaa al- Adawiya é o nome da mesquita onde se concentravam apoiantes de Mohamed Morsi, membro da Irmandade Muçulmana e Presidente deposto a 3 de Julho. Quando a concentração foi atacada pelas autoridades morreram mais de mil pessoas, muitas logo no local, outras em praças da capital egípcia ao longo dos dois dias seguintes.
Esta quarta-feira foram ainda condenadas a onze anos de prisão 14 mulheres membros da Irmandade Muçulmana. Acusadas de pertencerem a uma “organização terrorista”, foram condenadas com seis homens, estes acusados de as terem incitado a “cortarem” estradas importantes na cidade de Alexandria, a segunda maior cidade do Egipto, na sequência de uma manifestação onde se pedia o regresso de Morsi ao poder, a 31 de Outubro.
A dura repressão contra os islamistas da confraria que venceu as principais eleições realizadas desde o afastamento de Mubarak é indiscutível, mas, com a nova lei sobre as manifestações, os generais sobem de tom contra aqueles que foram brevemente seus aliados contra Morsi: os jovens revolucionários que iniciaram a contestação contra a ditadura e a revolução.
A lei proíbe qualquer protesto que constitua uma ameaça à “segurança” e à “ordem pública”, “perturbe os interesses dos cidadãos” ou “obstrua a justiça. Como nada disto aparece definido na legislação a interpretação fica a cargo do Ministério do Interior, controlado desde sempre pelas chefias militares.
“A lei é demasiado abrangente em termos das localizações que proíbe”, notou Navi Pilay. “O Artigo 5, por exemplo, proíbe qualquer ajuntamento público em locais de oração ou perto. Ora, há dezenas de milhares de mesquitas, igrejas, santuários e outros locais de oração no Egipto.”
Muito graves são, para a responsável da ONU, as medidas previstas para a actuação das forças de segurança: “Há um risco real de a vida das pessoas ser posta em perigo por causa do comportamento violento de alguns, ou porque a lei pode ser interpretada de forma muito flexível pelas autoridades de segurança locais de forma a permitir-lhes usar de força excessiva em circunstâncias onde isso não se adeqúe”, disse Navi Pilay.
A justiça ordenou entretanto a detenção dos activistas Ahmed Maher e Alaa Abdel Fataah precisamente por terem organizado duas manifestações na terça-feira, uma reclamando sanções para os membros das forças de segurança que mataram manifestantes; outra diante do Senado, para denunciar que a nova Constituição (actualmente a ser redigida) mantém o artigo que autoriza os militares a julgarem civis. Tanto Maher como Fataah já estiveram presos e ameaçados de julgamentos militares.
Alaa Abdel Fataah foi um dos mais importantes animadores das primeiras semanas de protestos na praça Tahrir do Cairo, em 2011. Quando ele estava na prisão, a sua irmã, Mona Seif, foi uma das fundadoras da campanha contra os processos militares de civis; na terça-feira, Mona Seif foi uma das detidas no protesto diante do Senado. Entretanto, já foi libertada.
De acordo com a nova lei, anunciada no domingo, estas manifestações foram ilegais. O procurador acusa-os de terem “incitado à manifestação em transgressão da lei”. Outros 24 manifestantes deverão ser detidos e investigados.