“A César o que é de César”. E a César das Neves o que é seu e merece!

Afinal onde estão as “gorduras” do Estado? Será que as “gorduras” estão nos salários e pensões?

Se admitirmos a simetria, deveríamos conhecer quem serão os beneficiados. Não sendo garantidamente os pobres, restam-nos os outros e, não indo ao ponto de os designar por ricos, incluo-me, como incluo nestes o autor da polémica afirmação.

Revejo o grande Miguel Torga: “Oiço e leio esta inflação de discursos, entrevistas e comunicações que toldam a atmosfera política do país e fico agoniado. Somos na verdade uma cambada de primários, de temperamento e paixões à medida da nossa testa. Só nesta terra é possível encontrar gente com mentalidade para acreditar que uma ideologia é uma opção mimética”. Coitados dos pobres, ainda por cima, se lhes aumentarem os rendimentos, não são beneficiados e, pelos vistos, ficam mais pobres!

Gosto de análises económicas menos emotivas, menos ideológicas e mais racionais. Será que o aumento do salário mínimo nacional prejudicará assim tanto a competitividade e, consequentemente, o emprego? Então e o diferencial de taxas de juro pagas pelas empresas portuguesas, relativamente às restantes empresas europeias, em mais de 5%, não prejudicará mais a competitividade? E o excesso de “burrocracia” e de custos de contexto não prejudicará mais a competitividade de que o aumento do salário mínimo nacional? E a falta de harmonização fiscal na Comunidade Europeia não estará a prejudicar mais a competitividade do que o aumento do salário mínimo nacional, etc. etc.?

Regresso pela paz que transmite o grande Torga: “Conversa com um sábio arqueólogo. O medo que a Universidade tem da imaginação! O medo que temos! Paleolítico, mesolítico, neolítico... A ponta de seta, o raspador, o machado polido... E era um lampejo de heterodoxia que eu desejava ver iluminar a ortodoxia escavadora. Alguns velhos mitos lidos a uma luz menos tíbia, certos absurdos explicados menos absurdamente, farrapos de sabedoria inseridos num amplo contexto adivinhado”. Que bela lição…

O aumento do salário mínimo nacional obviamente ajuda os pobres. O aumento do rendimento para quem tem uma elevada propensão ao consumo contribui através deste para o crescimento económico e sobretudo contribui para satisfazer necessidades básicas daqueles a que o sol tarda em sorrir. Tenho a certeza de que César das Neves não pretende traçar um destino reprodutivo! Há momentos em que temos verdadeiramente negações que são a única maneira de o homem não se negar.

Não estamos em tempo de rosas e precisamos de realismo, mas deste a medida do quanto baste. Já assumi: não há mais espaço para a repetição de erros do passado. O próximo quadro comunitário não poderá ser desperdiçado em mais estradas, escolas e outros investimentos públicos semelhantes, não reprodutivos, e muito menos na satisfação de lobbies. Teremos de encaminhar estes recursos financeiros para os bens transaccionáveis, para os investimentos reprodutivos, para as empresas. Reconhecemos a necessidade de controlar a despesa pública, mas a despesa não é só os salários e as pensões, como nos parecem fazer crer.

Afinal onde estão as “gorduras” do Estado? Será que as “gorduras” estão nos salários e nas pensões? Não vejo os que tanto se preocupam com a subida do salário mínimo denunciar, debater, esclarecer ou pedir explicações sobre o crescimento da despesa no Orçamento para 2014, por exemplo, na rubrica orçamental “Outras Despesas Correntes”, que aumenta, entre 2013 e 2014, 800 milhões de euros, isto é, passa de 1.100 para 1.900 milhões de euros. Ou questionar a razão por que no OE, nas despesas excepcionais, estão 38,5 milhões de euros para a PT Comunicações, e ainda o pagamento de despesa de reprivatização do BPN no montante de 15,2 milhões de euros, quando este banco já foi vendido. Aliás, nos anos de 2013 e 2014, pagam-se despesas de reprivatização no montante de 67,4 milhões de euros, um montante superior em cerca de 50% ao valor de venda do próprio banco.

Regresso a Torga: “Que perverso aproveitamento se faz hoje do inconsciente cristão, que, quer queiramos ou não, é uma herança de todos nós! Ao sair do espectáculo, até o mais ateu alardeava o ar iluminado e desobrigado de quem acabava de cumprir honestamente um preceito…” Um preceito que, sem formalidade, o é, na oportunidade.

Economista, ex-deputado do PS

 
 
 
 
 
 
 

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