Democratas irritados com falhas no Obamacare votam ao lado do Partido Republicano
O Presidente dos EUA anunciou uma solução na quinta-feira, mas 39 membros da Câmara dos Representantes aprovaram uma proposta que a Casa Branca já prometeu vetar.
É cedo para saber se Barack Obama subestimou as consequências de uma mentira ou se estava disposto a enfrentar o afundamento do que ainda lhe restava de popularidade, mas por estes dias não se fala de outra coisa nos EUA: a reforma do sistema de saúde, conhecida como Obamacare, pode nem sequer ter tempo suficiente para provar que é um remédio adequado.
Depois de ter prometido várias vezes ao longo dos últimos três anos que ninguém iria ser obrigado a mudar os seus seguros de saúde com a entrada em vigor da nova lei, milhares de cidadãos que contrataram planos a título individual têm recebido notas de cancelamento. Afinal, nem todos podiam manter os planos que já tinham, mas por uma razão que a Administração Obama – e talvez também o senso comum – considera meritória: os planos mais antigos não cobriam os mínimos impostos pela nova lei, entre os quais a inclusão dos filhos como beneficiários e a proibição de se negar seguros a pessoas com problemas pré-existentes.
Um mês depois da abertura das inscrições para o novo mercado de seguros, o processo tem-se revelado uma verdadeira catástrofe política para a Casa Branca. Os problemas técnicos no acesso ao site HealthCare.gov – onde se pode conhecer, comparar e contratar planos considerados mais justos, segundo a Administração Obama – só vieram piorar o cenário.
Mais do que os alegados méritos da reforma no sistema de saúde – que só poderão ser avaliados a longo prazo –, está em causa a honestidade do próprio Presidente e a competência dos serviços federais para garantirem uma transição sem problemas. Nesta sexta-feira, o The Washington Post escreveu que a empresa contratada para desenvolver o site HealthCare.gov, a CGI Federal, emprega mais de 100 altos funcionários de uma outra empresa que foi responsável por pelo menos 20 falhanços em projectos de tecnologias de informação desenvolvidos para o Governo federal.
O problema é que o resultado do somatório das questões políticas e técnicas está a deixar de pé atrás milhões de jovens norte-americanos, saudáveis, cuja opção pelos novos planos de saúde é essencial para manter os preços dos novos seguros nos valores actuais.
Depois de muita pressão de todos os lados – das pessoas que viram os seus seguros antigos cancelados; do Partido Republicano porque os erros da Casa Branca caíram como mel na sua feroz oposição ao Obamacare; e do Partido Democrata, porque há eleições intercalares dentro de 12 meses e é preciso dar explicações aos eleitores –, o Presidente Barack Obama anunciou na quinta-feira que as seguradoras vão poder renovar os planos anteriores durante o próximo ano. Era uma saída quase em desespero porque o mal já estava feito, como reflecte o título da revista The Atlantic: "Obama diz que se quiserem manter os vossos planos, podem mantê-los. Desta vez é a sério".
Como seria de esperar, a proposta da Casa Branca não foi suficiente para aplacar o ataque cerrado dos republicanos. Mais surpreendente – e sintomático – é que também não serviu para travar a rebelião no Partido Democrata.
Afinal, a conferência de imprensa de Obama, durante a qual o Presidente pediu desculpa sete vezes, foi também uma tentativa para impedir que os democratas da Câmara dos Representantes ajudassem a aprovar uma proposta mais radical do Partido Republicano, posta a votação na sexta-feira.
Resultado: pelo menos 39 membros do Partido Democrata não foram sensíveis aos méritos da solução apresentada por Barack Obama e juntaram-se aos republicanos. Segundo esta proposta, as seguradoras poderão não só renovar os seguros antigo como também propor os mesmos planos a novos potenciais clientes durante o próximo ano.
A proposta está condenada à nascença – o Senado está muito mais dividido do que a Câmara dos Representantes e o Presidente já anunciou que irá vetá-la se chegar à Casa Branca –, mas a irritação de muitos democratas é evidente e foi verbalizada por Nick J. Rahall II, eleito pelo estado da Virginia Ocidental, no The New York Times: "Estou revoltado. Acho que deviam rolar cabeças. Os responsáveis por isto ou quem já sabia que isto ia acontecer já devia ter perdido o emprego."