Sá Carneiro não tinha previsto voar na TAP no dia de Camarate
Testemunho da secretária do ex-primeiro-ministro contraria a tese de que a viagem esteve sempre prevista na companhia aérea nacional.
Esta foi a conclusão retirada da audição, esta manhã, de Isabel Veiga de Macedo, secretária de Sá Carneiro, pelos deputados da X Comissão parlamentar de inquérito à tragédia de Camarate. “Ficou tudo por explicar”, disse a colaboradora do primeiro-ministro, que nunca foi ouvida pelas autoridades, na sua primeira presença perante os deputados.
“Fui eu que fiz as marcações na TAP, como habitualmente quando havia deslocações em aviões mais pequenos eram feitas estas reservas para evitar problemas meteorológicos”, disse Isabel Veiga de Macedo. No relato dos acontecimentos de 4 de Dezembro de 1980, a secretária de Sá Carneiro revelou que a deslocação ao comício do Porto da campanha presidencial de Soares Carneiro estava prevista para um aparelho, um Cessna, posto à disposição do candidato da Aliança Democrática pela RAR [Refinaria Açúcares Reunidos] do empresário João Macedo Silva.
A reserva de dois lugares, para Francisco Sá Carneiro e a sua companheira Snu Abecasis na companhia aérea nacional foi feita de forma preventiva. Não só para superar evidentes problemas meteorológicos que tornassem problemática a viagem num avião mais pequeno. Tratava-se, aliás, explicou Isabel Veiga de Macedo, de um método habitual utilizado por Sá Carneiro nas suas deslocações em território nacional. Mesmo se fosse de carro, era feita uma reserva na TAP.
Na manhã de 4 de Dezembro, à chegada de um conselho de ministros restrito presidido por Francisco Sá Carneiro e no qual estiveram presentes o titular das Finanças, Cavaco Silva, e as chefias militares, o ministro da Defesa Adelino Amaro da Costa convenceu o primeiro-ministro a acompanhá-lo ao Porto no avião que estava ao seu dispor. O Cessna, que viria a cair ao princípio daquela noite em Camarate. Um aparelho do empresário Eurico Taxa, ao serviço da campanha de Soares Carneiro.
Seguindo instruções de Sá Carneiro, a sua secretária entra em contacto ao princípio da tarde com Pinto Balsemão, que se encontrava no Porto e que mantinha os contactos com a RAR, para anular o voo do aparelho. Contudo, o avião já estava em Lisboa, facto que o primeiro-ministro desconhecia. A sua secretária precisou que a comitiva foi reduzida, pois a partir do princípio da tarde não se contava com um segundo Cessna. Do mesmo modo, admitiu que, se Sá Carneiro soubesse que o avião cedido por um dos financiadores da campanha estava na placa do aeroporto de Lisboa, o utilizaria.
Isabel Veiga de Macedo revelou que, à saída da sua casa rumo à Portela, o primeiro-ministro lhe comunicou que, por estar bom tempo, devia cancelar a reserva da TAP. O que foi feito, segundo a secretária, entre as 18 e 30 e as 19 horas. Este testemunho contraria a tese de que a viagem de Sá Carneiro e acompanhantes esteve sempre prevista na companhia aérea nacional e que só à última hora, foi decidia a utilização do Cessna. Na versão ouvida esta quinta-feira de manhã, a opção foi tomada cerca de sete horas antes do início do voo.