Pela primeira vez, uma mulher vai ser a voz do Hamas para o mundo
Isra Almodallal é a escolha do movimento islâmico, no poder na Faixa de Gaza, para a ligação com os media internacionais. Um homem continua a ser porta-voz do Governo.
Tem 23 anos e um discurso moderado, é uma mãe divorciada e fala um inglês perfeito. De precioso diz ter a filha de quatro anos (“é o que tenho de mais especial”) e o seu país (“que adoro", diz). Por isso, regressou a Gaza após a passagem por Inglaterra, na adolescência, que lhe abriu horizontes e deu a oportunidade de aperfeiçoar o inglês. Na estante do gabinete onde iniciou funções esta semana, convivem livros de História dos Estados Unidos com o Corão, notou a Associated Press.
Almodallal frequentou o liceu em Bradford, na Inglaterra, durante os cinco anos em que o pai aí trabalhou na universidade. Mais tarde, licenciou-se em comunicação social pela Universidade Islâmica de Gaza e foi jornalista numa televisão local e num canal anglófono por satélite.
“Não sou do Hamas. Sou uma activista palestiniana que adora o seu país”, disse à Associated Press. Mas, como o Hamas, acredita que o território reconhecido da Palestina deveria incluir o que é hoje Israel. “Não sou de nenhuma facção. Sou apenas palestiniana”, afirmou também em entrevista ao jornal The Guardian. É sobre os palestinianos e a dimensão humana e humanitária das suas vidas, que vai falar.
“O que queremos é ter uma linguagem única e diferente. Tornaremos as questões mais humanas”, prometeu Almodallal, que quer lançar campanhas no Facebook e no Twitter para promover o Hamas e as suas políticas. O desafio, diz, será ser porta-voz numa “situação única”, quando já seria difícil sê-lo numa situação normal.
Almodallal foi escolhida para um cargo onde habitualmente são homens a dar voz às posições mais duras do Hamas contra Israel.
Será a voz e o rosto do movimento no poder em Gaza desde 2006, que mantém, por outro lado, um homem como porta-voz do Governo — será ele a falar das questões mais delicadas, como os atentados suicidas ou as tentativas de diálogo com a Autoridade Palestiniana que governa na Cisjordânia. Isra Almodallal falará de assuntos relacionados com a educação e os programas sociais ou o bloqueio do Governo de Israel ao território.
O seu gabinete distingue-se por não ostentar, nas paredes, o retrato do primeiro-ministro Ismail Haniyeh. A nova porta-voz não se refere a Israel como “entidade sionista” e confessa que estaria igualmente motivada se o cargo fosse o de porta-voz do Governo palestiniano na Cisjordânia.
"Abertura ao mundo"
A escolha de Almodallal para porta-voz do Hamas, nota a Associated Press, inclui-se numa tentativa do movimento de se apresentar ao mundo e aos seus cidadãos com uma imagem diferente daquela que durante anos predominou: a de um grupo radical que também procurou limitar as liberdades e o papel das mulheres na sociedade, com a imposição do uso do véu, ou a proibição da participação feminina em eventos públicos ou desportivos. Este ano, as mulheres foram impedidas de participar numa maratona patrocinada pelas Nações Unidas e que acabou, por essa razão, por ser cancelada.
A mudança de rumo começou a notar-se há seis meses com a chegada de um novo chefe de departamento governamental que gere a relação com os media: Ihab Ghussein deu logo sinais de maior abertura, com a contratação de profissionais mais jovens, o lançamento de um novo sítio do Governo na Internet e o uso mais frequente das redes sociais, bem como a organização de workshops e conferências, escreve a Associated Press.
Ghussein disse ter escolhido Isra Almodallal numa tentativa de “uma maior abertura com o Ocidente”. “As mulheres são parceiras na nossa sociedade", garantiu. “O Hamas, como qualquer governo no mundo, quer que os outros o oiçam e acreditem nele”, disse também à Associated Press Moean Hassa, professor universitário de comunicação social em Gaza.
“As mulheres palestinianas desenvolvem um papel activo publicamente, nas organizações e nos media”, disse Isra Almodallal ao Guardian e numa referência ao facto de as mulheres em Gaza poderem trabalhar e conduzir e o Hamas ter várias deputadas, uma mulher ministra e seis vice-ministras. “Não encontrei quaisquer dificuldades por ser mulher. Temos todas as liberdades de que precisamos.”