Pedras gigantescas da Cidade Proibida foram transportadas em trenós no gelo
Como é que grandes blocos de mármore usados na construção do palácio imperial chinês eram levados ao longo de dezenas de quilómetros?
Reza a história que a Cidade Proibida terá tido 999 edifícios com 9999 divisões, onde viveram os imperadores, familiares e inúmeros criados, ao longo de cinco séculos. Durante a construção do palácio imperial, entre 1406 e 1420, e para as várias reconstruções de que foi alvo, foram trazidas inúmeras toneladas de mármore da pedreira de Dashiwo, a 70 quilómetros de Pequim. Para a reconstrução de 1596, Shengrui He acabou por optar pelo transporte das gigantescas pedras em carros de rodas. Mas noutros momentos da História foram usados trenós, que deslizavam por estradas de gelo.
A maior pedra na Cidade Proibida tem 200 toneladas: está à entrada do Palácio da Suprema Harmonia. “A pedra foi extraída de Dashiwo, em Fangshan, nos subúrbios de Pequim. Foi transportada até ao Palácio-Museu [o palácio imperial] lançando água no caminho, durante o Inverno, para formar uma estrada de gelo. Depois, foi puxada ao longo da estrada de gelo”, lê-se na inscrição da pedra.
Sabendo que a roda já existia na China desde 1500 a.C., a investigação conduzida por Jiang Li, da Universidade de Ciência e Tecnologia de Pequim, estudou por que razão o trenó sobre o gelo lubrificado com água é a melhor solução para o transporte de uma grande pedra que teria pelo menos 120 toneladas. Estes estudos podem ter aplicação no desempenho dos atletas de desportos no gelo.
Mas porquê estudar uma pedra deste tamanho? Porque no antigo livro chinês Liang Gong Ding Jian Ji (de Zhongshi He) há o relato do transporte de uma pedra com 123 toneladas usada numa das reconstruções, neste caso em 1557. Nesta reconstrução, as pedras foram transportadas ao longo dos 70 quilómetros, durante 28 dias. No percurso, os trenós deslocavam-se numa estrada de gelo, que ia sendo humedecida com água a cada 500 metros. Em oposição, na reconstrução de 1596 transportaram-se as pedras em menos tempo — 22 dias —, em carros com 4, 8 ou 16 rodas, consoante o tamanho da pedra.
1800 mulas ou 20 mil homens
Em ambas as reconstruções (de 1557 e 1596), o transporte foi feito durante o Inverno, porque era mais fácil manter a estrada firme e sem buracos devido às baixas temperaturas do solo. Só que a opção do transporte com carros de rodas puxados por mulas em 1596 revelou-se, segundo o antigo livro chinês, mais barata: custou menos de 7000 taéis de prata (unidade de peso com valor monetário, na antiga China), contra os mais de 110 mil taéis do transporte em estradas de gelo para a reconstrução de 1557. A diferença de valores deve-se, em parte, à força de trabalho: no caso dos carros de rodas, usaram-se 1800 mulas, enquanto para os trenós foram contratados 20 mil homens.
Embora o uso de carros fosse mais barato, também teria constrangimentos. Não há registo de transporte de pedras com mais de 95 toneladas nos carros, mesmo com 16 rodas, mostrando que esta podia ser uma limitação deste tipo de transporte. Além disso, o risco de acidentes, com as mulas ou os veículos, era grande e podia danificar as pedras.
Interessados em estudar os fenómenos do atrito e desgaste, assim como a necessidade de lubrificação do caminho, os investigadores testaram várias hipóteses de transporte de uma pedra com 123 toneladas usando um trenó: numa estrada de terra batida; a deslizar sobre madeira lubrificada com água; e sobre gelo com e sem água. Concluíram que um caminho de gelo lubrificado é a única solução viável, pois o atrito é reduzido e implica o trabalho de menos de 50 homens. As restantes possibilidades implicavam o uso de mais de 300 pessoas.
Os cientistas vão mais longe nas conclusões: “A resistência de um caminho artificial de gelo no chão seria suficiente para suportar um trenó que transportasse uma pedra de 300 toneladas.” Para corroborar este resultado, a equipa recorda o caso recente do transporte por uma estrada de gelo de um edifício inteiro da Estação de Comboios de Anda, na China. Tinha 1200 toneladas.