Guião da Reforma: Só ficou desiludido quem tinha ilusões

O Guião de Paulo Portas vem com mais de dois anos de atraso. Ou se calhar com dois de avanço.

Antes de ser apresentado ninguém sabia ao certo o que era o Guião da Reforma do Estado. Creio que nem o próprio Paulo Portas. Seria o ‘best off’ dos cortes que já foram anunciados e agora concretizados no Orçamento para 2014? Seria o anúncio de novas medidas de austeridade para reduzir o défice para 2015? Seria um simples argumentário político ao que já foi feito ou ao que ainda falta fazer?

Depois de ser apresentado continuamos sem perceber o que é o Guião da Reforma do Estado. É um programa de Governo que a coligação deveria ter apresentado em 2011? É um programa de Governo para 2015? É uma proposta de pacto de regime, sem consultar previamente o PS? Qualquer que seja a resposta, o guião de Paulo Portas vem com mais de dois anos de atraso. Ou se calhar com dois de avanço.

O documento tem tanto de substancial como de vazio. São 112 páginas cheias de boas intenções programáticas e que, politicamente, levantam estas duas dúvidas pertinentes? Por que é que não foi apresentado no início da legislatura? E sendo, como disse Portas, um programa para duas legislaturas, quem vai executá-lo na segunda?

Estas perguntas não terão resposta e é por isso que este Guião de Reforma do Estado vai parar à mesma gaveta onde o Governo guardou o famigerado Guião para o Crescimento de Álvaro Santos Pereira e que no dia seguinte já ninguém se lembrava dele.

Espremendo o guião, o que sobra?
Paulo Portas foi desenterrar a ideia de incluir a regra de ouro na Constituição. O PS já se mostrou contra e foi por isso que o Governo decidiu colocar a regra na Lei de Enquadramento Orçamental. E o próprio Presidente da República também já se manifestou contra a intenção de colocar na Constituição "uma variável endógena como o défice". Não é por se repetir uma ideia muitas vezes que ela se torna realidade.

Paulo Portas sugere, ou melhor promete, baixar o IRS em 2015, curiosamente ano de eleições. E para tal até vai criar uma espécie de Comissão ‘Lobo Xavier II’ para discutir o tema em 2014. Acredite quem quiser que é possível baixar os impostos num ano em que o Governo já se comprometeu em baixar o défice de 4% para 2,5%.

Mas as comissões não se ficam por aqui. No próximo ano, Portas também quer nomear uma Comissão de Reforma da Segurança Social com 83 por especialistas. Por que não 82 ou 84 especialistas? À parte do preciosismo numérico, o vice-primeiro ministro diz que a reforma na Segurança Social só avança no ano em que o PIB crescer 2%. Já se percebeu que não vai ser para breve. E se no ano seguinte a esse longínquo ano o PIB voltar a cair? Cancela-se a reforma? Qual é a lógica? Alguma há-de ter.

Portas volta a desenterrar a ideia do plafonamento da Segurança Social. A propósito deste assunto, Pedro Mota Soares já tinha dito ao que vinha o CDS: "Pagar pensões elevadas já não é protecção social, é gestão de fortunas". Mas falta é desatar o nó: colocar um tecto ao pagamento das pensões também implica colocar um tecto às contribuições. Ou seja, descapitalizar o já descapitalizado regime de previdência. Talvez seja por isso que o Governo atire esta reforma para as calendas gregas.

Uma reforma aqui, outra ali
Depois no Guião vão aparecendo, no meio de muito palavreado, umas reformas ou intenções de reformas soltas.
Portas quer fazer uma agregação de municípios. A troika também queria. E o melhor que o Governo conseguiu, ou quis fazer, foi reduzir o número de freguesias.

O vice-primeiro-ministro também mostrou, e bem, que quer cortar nas chamadas gorduras do Estado. E até mostrou alguma indignação: "Há poucos argumentos que possam justificar a existência obrigatória de 12 secretarias-gerais dos ministérios, quando algumas das suas atribuições são absolutamente comuns". Se é assim tão óbvio e evidente por que é que o Governo não fez isso nos mais de dois anos que já leva de governação?

Na educação, onde talvez haja mais ‘sound bites’, o Governo ainda nem sequer percebeu se é mais vantajoso para o Estado os contratos de autonomia e de associação, e ainda Nuno Crato anda às voltas com o cheque-ensino, e já Paulo Portas lança mais duas ideias, meio ideológicas, meio extemporâneas: entregar a propriedade e gestão das escolas aos professores e a concessão do Básico às autarquias.

Este guião de reforma levou quase um ano a ser feito. E mesmo assim foi feito à pressa. Ainda há muito por explicar se o Governo quiser realmente transformar este guião em medidas concretas que possam melhorar o Estado e a vida dos portugueses. Até lá, o guião é uma mão cheia de boas intenções. E algumas nem por isso.
 

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