A solidão do refém no momento do rapto

Os dois filmes que dirigiu da série Jason Bourne - Supremacia (2004) e Ultimato (2007) - tornaram o britânico Paul Greengrass, formado na escola da televisão inglesa, no expoente “aprovado” do cinema de acção que pensa. Um “posto” que faz todo o sentido existir, muito embora Kathryn Bigelow, cuja relação com Hollywood é muito pouco consensual, já o tenha reservado para si. A referência à realizadora de Estado de Guerra (2008) não é casual: é que Capitão Phillips filma um caso verídico ocorrido em 2009 ao largo da Somália, quando um capitão de um navio de transporte de contentores americano foi raptado por um pequeno grupo de piratas somalis. Estamos no mesmo território que Bigelow fez seu com Estado de Guerra e 00.30 A Hora Negra (2012) - um filme de acção nervoso e cinético que não esconde um olhar de reflexão sobre o mundo que nos rodeia -, e que o britânico explorou, com menos sucesso, em Green Zone/Combate pela Verdade (2010).


O que diferencia os dois realizadores está noutro lado: Bigelow acompanha aqueles que analisam os acontecimentos e que neles actuam ou que os dirigem, explora o combate entre o dever profissional e a dúvida pessoal. Greengrass, por seu lado, olha para a humanidade do indivíduo que dá por si apanhado numa situação que - e, nesse aspecto, Capitão Phillips está mais próximo de Voo 93 (2006), a sua reconstituição do voo de 11 de Setembro de 2001 onde os passageiros resistiram aos terroristas que o desviaram.

Ao contar esta odisseia de um simples capitão da marinha mercante atirado para o meio de uma conflagração política, Greengrass está a fazer o quê? A reconhecer que a realidade é hoje um maná de narrativas para a ficção? A fazer uma hagiografia da decência ou do militarismo americanos? A denunciar a desigualdade social e económica que gera tensões globais? O mérito maior de Capitão Phillips é nunca se definir: escolhe estar de corpo inteiro no interior desse limbo, questiona o próprio espectador sobre a verdadeira natureza do que está a ver. As suas personagens principais não são arquétipos convenientes, mas sim seres humanos: o coração do filme é o duelo tenso entre Richard Phillips (Tom Hanks, impecável como sempre) e Muse, o líder dos piratas que fazem a abordagem ao Maersk Alabama (um excelente Barkhad Abdi), ambos a procurarem manter o sangue-frio para lá do que seria normal, ambos meros títeres nas mãos daqueles que tomam as decisões acima deles.

Greengrass filma Capitão Phillips com garra, num crescendo gerido com inteligência mas que só na última meia-hora, enquanto alterna a operação de resgate levada a cabo pela Marinha americana e a tensão crescente a bordo do salva-vidas onde Phillips está prisioneiro, atinge o nível de ambiguidade que procurou e explica definitivamente ao que vem. É por só em direcção ao fim acertar no tom que fica a ideia do britânico ter passado ao lado do grande filme que se adivinha durante o resto da duração. Mas faz a pergunta que interessa: como é que continuamos humanos no meio de situações que põem em causa a nossa humanidade - e é por deixar a resposta ao espectador que se ganha.

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