Todos sabemos como é difícil resistir às tentações, e a primeira que nos surge perante Frances Ha é a mais irresistível de todas: comparar o novo filme de Noah Baumbach aos anos de ouro de Woody Allen. Rodado num luminoso preto e branco (como o glorioso Manhattan), fazendo de Nova Iorque personagem a parte inteira do filme (pontuado pelas moradas onde a heroína vai assentando arraiais), Frances Ha é uma gloriosa ode à nova musa de Baumbach, Greta Gerwig, cuja mera figura nos remete para Diane Keaton quando Allen dela fez a sua musa nos anos 1970. O filme é uma “história de Nova Iorque” acompanhando alguns meses na vida de uma bailarina em crise, que acabou com o namorado e viu a sua melhor amiga mudar de casa. Mas é também uma história de Nova Iorque rodada através do olhar arregalado de uma Nouvelle Vague quando descobriu outro modo de olhar para, e filmar, uma cidade, e de contar histórias sem respeitar forçosamente as convenções da narrativa tradicional.
Mas as tentações, e as aparências, não são tudo, e a cinefilia é apenas uma porta de entrada possível para Frances Ha, cuja joie de vivre desembaraçada esconde também a fábula angustiada do desemprego moderno, bem como o questionamento existencial que Baumbach tornou no seu tema principal desde A Lula e a Baleia (2005) - o modo como as pessoas enfrentam as mudanças que ocorrem nas suas vidas. Como se diz a certa altura, “as únicas pessoas em Nova Iorque que se podem dar ao luxo de ser artistas são as que têm dinheiro”, e essa questão é central à história de Frances, uma de tantas bailarinas em dificuldades para arranjar emprego e cujas idiossincrasias emocionais a tornam subitamente incapaz de manter um nível de vida nova-iorquino que nem sequer é particularmente elevado.
Procurando encontrar o seu lugar no mundo adulto apesar de estar quase à beira dos 30 anos, Frances é o “gémeo” nova-iorquino do Ben Stiller moroso e paralisado de Greenberg (2009), o anterior filme de Baumbach. Onde aquele surgia ofuscado pela luz da Califórnia, com a fotografia queimada de Harris Savides a evocar o cinema da “nova Hollywood”, Frances Ha contrasta-o com o preto e branco classicista de Sam Levy a invocar as experiências dos indies nova-iorquinos originais, substituindo a relutância resmungona de Stiller pela angústia cabeça-no-ar de Gerwig. E a actriz confirma de uma vez por todas porque é que se está rapidamente a tornar numa das mais estimulantes figuras do moderno cinema americano, comédienne de primeira água cuja simples presença física empresta algo de Chaplinesco e de encantador à sua personagem.
Mais do que transportar o filme, Greta Gerwig é, ela própria, o filme. É a sua energia que propulsiona Frances Ha; e Baumbach aproveita-a e explora-a para fazer deste o que é, para nós, o melhor dos seus filmes, um irresistível (mas nunca pedante) bombom cinéfilo dobrado de comovente comédia doce-amarga sobre o mundo em que vivemos. Um filme aberto ao mundo, e à cidade.