Praxe: e dizer não?

A histeria anti-praxe é, na verdade, a demonstração da infantilidade com que os estudantes são tratados pela sociedade

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Chega Setembro e voltamos à época da histeria anti-praxe. Os média e os comentadores lançam terríveis críticas à praxe. Circulam os artigos nas redes sociais. Humilhação, submissão, bocejo, são os termos chave. Os estudantes são rotulados como terríveis abusadores ou como vítimas estúpidas e indefesas.

A realidade é que a praxe é maioritariamente uma experiência responsável, satisfatória e criadora de laços para os envolvidos. É um ritual de passagem e a oportunidade de sair da zona de conforto e perceber que há coisas piores (e menos divertidas) do que rebolar na lama, levar com farinha, cantar ou gritar barbaridades, etc.. Talvez seja surpresa para muitos perceber que os alunos que vão à praxe se deslocam lá pelos seus próprios pés. Ficam lá porque querem. E não fujamos do problema: há pressão social, como em tudo na vida e também na universidade.

Os limites do aceitável

E, como em tudo na vida, é preciso saber dizer não quando algo cruza os nossos limites do aceitável. Em certos casos, é mesmo preciso saber usar a lei em nossa defesa. Um estudante que não sabe dizer "não" perante pressões ou pessoas abusivas na praxe é o mesmo que, com praxe ou sem ela, vai falsificar a assinatura de um colega (note-se: um crime) na folha de presenças da aula porque lhe pediram, vai beber ou fumar ou experimentar drogas porque é pressionado pelos amigos. Sejamos honestos e realistas: não há nada que possa acontecer na praxe que não possa acontecer fora dela.

A histeria anti-praxe é, na verdade, a demonstração da infantilidade com que os estudantes são tratados pela sociedade. Tratam-se estudantes universitários como "os coitadinhos dos meninos" ou "aqueles irresponsáveis" quando o que deveria ser realmente discutido é a importância de saber dizer não a elementos e pressões abusivos que possam surgir na praxe ou fora dela.

O mais irónico - e triste - no meio disto tudo é criar-se uma fobia às praxes e aos colegas mais velhos quando os piores vitimizadores dos estudantes universitários não são os praxistas, mas sim a própria estrutura educativa e administrativa da universidade: os professores, a Reitoria, a secretaria. São estes cujos piores elementos têm maior poder de abuso sobre os estudantes. Ao contrário da praxe, onde um aluno que se sinta desrespeitado pode simplesmente negar-se a fazer algo ou ir-se embora, numa aula um aluno leva um berro do professor e na seguinte aparece ou chumba por faltas.

O aluno é desrespeitado pelo professor numa aula e na seguinte tem de fazer um exame com o professor que usa critérios "invulgares" para atribuir as cotações, e depois o aluno tem de se dirigir ao gabinete se quiser discutir a questão, onde poderá ser desrespeitado sem testemunhas (note-se que na praxe nunca um aluno pode ser praxado por um só praxista).

Não é na praxe que os estudantes com carências económicas são obrigados a devolver as bolsas que receberam e já usaram apesar de terem cumprido todos os procedimentos que lhes foram exigidos, sendo extorquidos sob ameaça de verem as suas classificações e diplomas sequestrados, como aconteceu em várias Universidades públicas recentemente.

Não é na praxe que o estudante será entregue a pessoas negligentes e incompetentes às quais não terá alternativa, cujos abusos e caprichos será obrigado a enfrentar. Quem nos dera que o pior da universidade fosse a praxe.

Não me entendam mal: a maior parte dos professores e funcionários das universidades são dedicados e competentes, e todos os abusos são condenáveis e devem ser punidos. Mas no dia em que quiserem proibir a praxe por causa dos abusos de alguns elementos, talvez queiram proibir os estudantes de saírem à noite ou de socializarem. Talvez queiram proibir a universidade. A praxe é voluntária; muitas coisas na vida e na universidade não são. Em ambos os casos, o importante é saber dizer não.

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