Não apoiar a comunicação em ciência faz parte de uma estratégia

As bolsas para divulgação e comunicação da ciência deixaram de existir no último concurso aberto pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia. É uma estratégia de distanciamento entre ciência e sociedade, que retira poder negocial aos investigadores.

Ao mesmo tempo, regressavam à docência alguns professores mais novos que tinham feito os seus doutoramentos no estrangeiro, e que agora retomavam funções. Uma aposta inteligente que certamente provocou muitas mudanças positivas. De um deles ouvi pela primeira falar de comunicação em ciência, e que “lá fora” muitos centros de investigação se preocupavam muito com a forma como a sociedade em que estavam inseridos encarava o que faziam e que isso era não só fundamental para a sua estratégia interna como uma obrigação perante os contribuintes cujos impostos os financiavam.

Confesso que me custou a entender no início, talvez por estar embebido do espírito de redoma que a casa transpirava. Hoje reconheço que tal preocupação é tão importante como ter investigadores satisfeitos no local de trabalho, pagos a tempo e horas, com contratos dignos. E bem mais importante do que, por exemplo, os recursos que são despendidos com a burocracia que os vários agentes do sistema nacional de investigação científica exigem.

Depois vieram tempos de investimento na cultura científica. Já noutra universidade, assisti em 1996 a uma justa homenagem em vida a Rómulo de Carvalho, tendo-se tornado depois o dia do seu nascimento o Dia Nacional da Cultura Científica. As coisas tinham mudado. Afinal ser um divulgador de ciência – falar com a sociedade – não era só para os fracos, aqueles que desistiram da investigação de ponta e que “já não querem fazer nada”. Era para gente muito capaz, muito trabalhadora, e não está ao alcance de todos. Desta forma, de dentro do sistema científico nacional, surgem com naturalidade, alguns anos depois, apoios para a contratação de pessoas que façam divulgação e comunicação em ciência, da mais variadas formas. Recordo-me de bolsas para apoiar estágios de cientistas na redacção do PÚBLICO, para dar um exemplo caseiro, ou de bolsas para fazer investigação em comunicação de ciência em diversos laboratórios nacionais.

São precisamente estas últimas bolsas de que falei que deixam de existir no último concurso aberto pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), em conjunto com outras subáreas como a história da ciência, outra área para os “que desistiram”, segundo a concepção da redoma académica dos anos 90. Uma opção político-administrativa, legítima, de que discordo. Mas discordo também daqueles que, ao estarem do meu lado nesta discordância, apontam aos decisores falta de estratégia ou de visão. Entendo que há uma estratégia, sim. Uma estratégia economicista “olhos que não vêem, coração que não sente”, de distanciamento entre ciência e sociedade, que retira poder negocial aos investigadores. Uma sociedade que pouco sabe da ciência que se faz, até pode achar que os investigadores são uns esbanjadores de fundos públicos, a brincar aos cientistas e aos comunicadores de ciência em tempos de sacrifícios, quando pode muito bem vir já tudo feito do estrangeiro.

Felizmente, também considero que a estratégia não cola e que, de uma forma ou de outra, a sociedade não deixará mais a ciência, enquanto desígnio nacional de um país desenvolvido, exclusivamente entregue aos cientistas. Quer saber, quer ter opinião e quer contribuir para a tomada de decisão. O fosso já acabou, com bolsas ou sem elas. Pouco me importa se a divulgação e comunicação de ciência estão a cargo da FCT ou da Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica – Ciência Viva, isso sim, uma decisão de micro-gestão.

Um recente editorial da revista Science sobre a estratégia norte-americana para a investigação nos oceanos realça a importância do envolvimento do público nos trabalhos em curso, nomeadamente através de transmissões em directo das explorações no fundo do mar, que em muito aproximam as pessoas da ciência que se faz. Fala-se de “cidadãos-cientistas” e da forma como se podem utilizar milhões de horas de voluntariado científico para a obtenção de dados relevantes – desafios novos para os cientistas profissionais e, em particular, para os comunicadores de ciência. Por cá tentamos dar um passo atrás, mas não vamos conseguir.

 
Biólogo

 
 
 
 

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