O beco e como (não) sair dele
O plano mais bonito de um filme no Festival de Veneza, para já, é o final de Via Castellana Bandiera, da italiana Emma Dante (competição).
Emma é uma actriz e encenadora de teatro de Palermo. Viveu durante anos na Via Castellana Bandiera, rua estreita que termina num beco. A ela regressou, ficcionando, com actores e habitantes dessa rua, um duelo silencioso entre duas mulheres, cada uma ao volante do seu carro: esbarrando um no outro frente a frente, cada uma impede a outra de seguir caminho. E toda a rua se mobiliza para tirar partido dessa promessa de duelo.
Há, claro, o querer falar dos becos-sem-saída psicológicos e sociais que impedem o movimento; há desenho de psicologia para as personagens, montam-se bonecos que compõem fauna típica — coisa suave, sem caricatura, mas previsível, até porque tudo aponta para qualquer coisa da ordem da aprendizagem. E é então que vem o tal plano. A imobilidade foi desbloqueada, um dos carros libertou-se de forma irreversível, a rua como que se alargou, e a câmara fica, enfim, livre para filmar a correria dos habitantes de Via Castellana Bandiera. Não interessa saber o motivo narrativo que os leva a passar em passo de corrida pela câmara, porque essa é a questão: já não são personagens que correm, a correria desprende-se, e a eles, de qualquer função narrativa e o filme liberta, enfim, cinema. Um morto ganhou vida.
É claro que depois desse momento não há hipótese de ver vida alguma em Tracks, do australiano John Curran (concurso), um "national geographic" por muletas televisivas, dos pores do sol às câmaras lentas. Adapta as memórias de uma nómada que não se sentia bem em sítio algum, Robyn Davidson. Nos anos 70 atravessou durante nove meses com camelos o deserto australiano. Interpreta-a Mia Wasikowska.