Conselho escolar japonês proíbe acesso a manga histórica que conta os horrores da guerra

Conselho escolar manda retirar de todas as bibliotecas escolares exemplares de Hadashi No Gen, uma manga que retrata a acção do exército japonês durante a Segunda Guerra Mundial.

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Não são novos os casos de censura na arte, especialmente no continente asiático e mesmo na manga, a banda desenhada típica do Japão. E, geralmente, quando acontece é por dois motivos: o teor sexual ou o cariz violento das histórias e imagens. Em 2010, foi mesmo aprovada uma lei que impede que as mangas utilizem personagens de aparência infantil em actos eróticos. A medida não foi bem aceite pelo meio, com os criadores a queixarem-se de falta de liberdade de expressão nos meios de comunicação japoneses. 

Agora, está a acontecer o mesmo, depois de o conselho escolar da região de Matsue ter ordenado a retirada de Hadashi No Gen, que conta a história de Gen e a sua mãe, que sofrem a explosão da bomba atómica de Hiroxima e têm de sobreviver depois numa zona devastada. Publicada pela primeira vez em 1973, num número especial da revista Weekly Shonen Jump, esta manga foi muito bem recebida, tendo-se estendido a história por dez volumes. Desde então, Hadashi No Gen tem sido reeditado várias vezes e foi já traduzido em 20 línguas, entre as quais inglês, francês, alemão, russo e italiano. A história foi até já adaptada ao cinema, à televisão em desenhos animados e mesmo ao teatro.

O livro também é frequentemente usado nas escolas, uma vez que os professores recorrem à história e às suas imagens para explicar aos alunos o que aconteceu na época no Japão e nos países vizinhos. Foi aliás também com este intuito que Keiji Nakazawa, que morreu no ano passado, o escreveu. Nakazawa foi também um sobrevivente em Hiroxima, assim como a sua mãe. Mas o seu pai e os irmãos não sobreviveram.

No entanto, o conselho escolar considera agora que as imagens são demasiado violentas e por isso não são adequadas para crianças e jovens, alegando ainda que alguns acontecimentos retratados nunca aconteceram. Não é a primeira vez que este tipo de acusações aparece e Keiji Nakazawa sempre se defendeu com a sua experiência pessoal, garantindo que tudo o que escreveu e desenhou aconteceu. Além daquilo que viveu, o autor estudou e recorreu a documentação histórica e testemunhas da altura.

Além da explosão da bomba atómica, o que mais mal-estar causa no Japão são os episódios em que são retratadas as barbaridades cometidas pelo exército japonês da época, como a Violação de Nanking, na China, quando os soldados violaram e executaram milhares de civis e prisioneiros de guerra. Está, por exemplo, retratado um concurso entre os militares japoneses em que ganhava aquele que matasse cem chineses mais depressa. A crítica ao imperador Hirohito, que governou o país entre 1926 e 1989, também é constante.

Motivos pelos quais tantas vezes esta história gerou polémica, sendo o autor acusado pelos responsáveis japoneses de não retratar a verdade. Para a viúva de Nakazawa, Misayo, estas acusações não fazem sentido, assim como não faz sentido que as crianças sejam privadas desta história.

Em declarações ao jornal japonês The Asahi Shimbun, Misayo explicou que, quando há 30 anos Nakazawa lhe mostrou os desenhos, ficou inicialmente chocada com a representação. Ao que o marido lhe respondeu: “Não há nada de limpo numa guerra.” “A guerra é brutal”, reforçou Misayo, para quem é importante que as crianças percebam a crueldade que existiu para que num futuro não se repita. “É isso que está representado nas imagens e eu quero que as pessoas o vejam”, acrescentou a viúva do autor. “A mensagem que o meu marido quis passar é que não interessa o quão mal foste tratado na vida, acabarás por encontrar alguma coisa de bom se lutares por isso. Acredito que esta mensagem é importante para as crianças mesmo nos dias de hoje”, concluiu.

No fim-de-semana, o The Japan Times dedicou o editorial ao assunto, acusando o conselho escolar de querer “esconder a realidade da guerra”. “É uma decisão deplorável”, que, lê-se no editorial, “priva os alunos de uma importante oportunidade de aprendizagem sobre a crueldade da guerra e da natureza horrível de um ataque nuclear”.

E vai mais longe: “Porque esta decisão põe em causa a liberdade de expressão e o direito das pessoas ao saber, o responsável deste conselho devia ser punido por ter tomado esta decisão unilateral de uma forma completamente não transparente.”

Entretanto, a procura desta manga nas lojas disparou e o conselho escolar já afirmou publicamente que se reunirá para pensar novamente sobre o assunto. Resta agora saber se voltará atrás na decisão.

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