O futuro dos jornais? Perguntem a quem está de fora

A tendência é clara: as ideias que têm vindo a formatar o jornalismo surgem do mundo da tecnologia.

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A compra do Washington Post pelo fundador da Amazon, Jeff Bezos, pôs muita gente a especular sobre o que conseguirá fazer pelo jornal o homem que praticamente deu forma ao conceito de compras online. Mas este não é o único caso do género. No ano passado, Chris Hughes, 29 anos, um dos fundadores do Facebook, comprou uma revista americana quase centenária, The New Republic, para tentar dar-lhe um novo fôlego (contrariamente a Bezos, decidiu envolver-se directamente na publicação e assumir o cargo de director).

Porém, as histórias de como as pessoas do mundo da tecnologia estão a transformar o jornalismo vão muito para além de multimilionários que compram um jornal ou revista. São mais antigas e com consequências já sentidas.

Num longínquo 1999, os jornais que estavam online tinham edições digitais relativamente recentes e faziam essencialmente uma utilização tradicional do meio digital. Naquele ano foi fundada uma empresa chamada Pyra Labs, que criou o Blogger.

A conhecida plataforma de blogues, que acabou por ser comprada pelo Google, foi lançada por dois jovens então na casa dos 20. Um deles, Evan Williams, fez mais tarde parte da equipa fundadora de outra plataforma que veio alterar a disseminação de informação no mundo informatizado: o Twitter.

O Blogger não inventou o conceito de auto-publicação online, mas é largamente responsável por o ter popularizado ao longo dos anos seguintes. E foi a partir dos blogues que emergiram vários sites que hoje são negócios jornalísticos de sucesso. Os jornais tinham os colunistas mais reputados, a audiência e, genericamente, os meios para terem liderado a vaga de blogues profissionais. Mas o formato era-lhes demasiado estranho: não cabia nos géneros jornalísticos tradicionais e implicava uma relação diferente com os utilizadores. Só recentemente começaram a "domesticá-los" com proveitos próprios, explica o professor de jornalismo Jay Rosen.

Os artigos longos
Um outro exemplo. Durante anos defendeu-se (e a tese ainda tem apoiantes) que a Internet era um suporte para textos curtos e que ninguém lê durante muito tempo frente a um ecrã (na altura em que esta ideia tinha mais força, não se anteviam os pequenos ecrãs dos smartphones, em que tanta gente passa horas mergulhada todos os dias). Foram pessoas que nunca trabalharam num jornal que perceberam haver um mercado online para textos extensos, de profundidade e que até nem precisavam de ter actualidade para conseguirem chegar a muitas pessoas.

Em 2008, um americano chamado Marco Arment, hoje com 31 anos, criou um serviço online chamado Instapaper que permite guardar artigos para ler mais tarde. Meio ano depois, lançava um site que agregava textos longos: reportagens, ensaios, artigos de fundo (precisamente o tipo de artigos que o Google começará agora a destacar nos resultados da pesquisa e que diz representarem 10% das necessidades diárias de informação das pessoas). Arment (que foi também o primeiro funcionário da plataforma de blogues Tumblr, vendida ao Yahoo por quatro vezes mais do que o preço do Washington Post) tinha um modelo de negócio rentável: vendia funcionalidades especiais no Instapaper e vendia a aplicação para iPhone e iPad (o Instapaper foi recentemente vendido à Betaworks, que se define como “uma empresa de novos media”)

Hoje, proliferam as aplicações e serviços para permitir que os utilizadores descubram e leiam textos longos. O mais interessante é que estas ferramentas, que em muitos casos são negócios lucrativos, são construídas em cima dos conteúdos produzidos (com custos elevados) pelos media tradicionais e dependem em absoluto deles. Os utilizadores já existiam e os textos também – mas foi de fora dos media tradicionais que surgiu uma forma inteligente de unir uns e outros.

Mais atenção
Actualmente, a generalidade dos media tradicionais que operam na Internet parece estar preocupada em empurrar o conteúdo através de todas as plataformas possíveis para o máximo número de pessoas possíveis, numa competição por atenção (e pelo correspondente dinheiro da publicidade, numa corrida por um bem escasso que não está a correr bem). Mas fora do sector há quem se esteja a mover no sentido contrário e se aperceba que a proliferação e omnipresença de conteúdos está a causar ruído e cansaço (na verdade, há quem, estando dentro, tenha concluído o mesmo). Dado o historial, convém prestar atenção ao que se passa. E Evan Williams, o fundador do Blogger e do Twitter, é novamente um exemplo.

Williams lançou recentemente o Medium. É uma plataforma de auto-publicação de acesso reservado (é preciso inscrever-se e ser convidado para poder escrever). Os textos destacados no site são seleccionados com base em algoritmos e em trabalho manual de edição. O objectivo é permitir uma escrita e uma leitura de qualidade e livres de distracções.

Já Marco Arment, do Instapaper, lançou uma revista digital, que publica textos longos e que se tornou lucrativa em poucos meses.

Outro exemplo de redução de ruído vem de Chris Hughes, o co-fundador do Facebook. Depois de ter comprado The New Republic, fez uma reformulação da edição impressa e do site. Online, a primeira página mostra um número muito reduzido de artigos, contrariamente ao que é habitual neste tipo de publicações.

Ao apresentar o novo design, Hughes – que ajudou a construir o site que faz proliferar vídeos de gatos e fotos das férias numa espiral quase inacabável de focos de distracção – escreveu: “Acreditamos que a nossa era de hiper-informação é entusiasmante, mas não inteiramente satisfatória. Acreditamos que tem de continuar a haver espaço para jornalismo que demora tempo a produzir e exige um maior tempo de atenção”.

Artigo alterado às 23h53: o titulo foi modificado para reflectir a ideia de que o impacto da tecnologia se tem sentido sobretudo no sector da imprensa.

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