Só Deus Perdoa

Dois anos depois do prémio de realização em Cannes, Só Deus Perdoa foi de novo ao festival, seria kingdom come, e depois da reacção apeteceu dizer(-lhes) “I told you so”. De novo com Ryan Gosling sem diál­o­gos mas a querer ir a vias de facto com Deus (e a querer ser esmur­rado, e a ver-se a léguas que esse desejo não é mais do que construção de iconografia ensimesmada - não é Brando aborrecido com sua beleza quem quer). E com Kristin Scott Thomas como mãe devoradora a com­parar à mesa o tamanho dos pénis dos fil­hos: o da per­son­agem de Ryan não é para espan­tar, diz ela; o do filho mais velho, sim - e logo esse é que mor­reu, não o mais novo. A mãe chega a Bangue­coque para fazer com que o mais novo, traf­i­cante de droga, ini­cie um plano de vingança. (Se virem nela a Angelica Huston de The Grifters, é isso mesmo, mas como quem esteve a “marrar” para o exame.) Vimos Nicolas Winding Refn discursar sobre violência, arte e espiritualidade, mas tudo parecia cozinhado sem cheiros num hotel de luxo no Oriente, onde o filme foi concebido - quer dizer, longe da sujidade e da brutralidade com que o filme se enfeita. A ver­dade é que pas­sado o momento dos palavrões ou dos instru­men­tos pon­ti­agu­dos crava­dos em olhos e ouvi­dos, tudo no filme, gestos, pausas, silên­cio, misticismo ori­en­tal ou o bas-fond de Bangue­coque, só passa o vazio da este­ti­za­ção. Nada se suja, nem o real­izador, que olha com a pro­tecção do tur­ista. E se Gosling pre­cisou que alguém lhe bru­tal­izasse a figura, como disse numa entrevista ao Le Monde, cansado da sua imagem, a asso­ci­ação do actor a Wind­ing Refn é à sua maneira tão infanto-juvenil como o Clube Mickey onde Ryan começou aos 12 anos

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