Ilhas Selvagens: refúgio para numerosas espécies
A primeira visita com fins de carácter científico foi feita pelo capitão James Cook em 1768.
Embora possua, entre a centena de espécies, algumas plantas que são endémicas ou exclusivas, é na fauna, sobretudo na ornitológica, que se concentra a maior riqueza natural das Selvagens. De facto, as grandes concentrações de aves marinhas dão um estatuto de santuário da natureza a estas ilhas que nesta quina e sexta-feira serão visitadas, pela terceira vez, por um Presidente da República.
Destacam-se as aves pelágicas entre o seu valioso património natural, de que também fazem parte uma flora curiosa, com espécies endémicas, em especial na Selvagem Pequena, como a Lotus raivae e Crysanthemum sarmentol.
As aves pelágicas passam grande parte da sua vida sobre o mar, e desenvolveram adaptações que, por sua vez, as tornam muito vulneráveis em terra, onde só vêm criar. O homem é o seu predador importante, pelo que estas aves procuram ilhas isoladas nos oceanos, hoje muito raras.
A ave mais notável é cagarra (Caletris diomeda borealis cory), que constitui nas Selvagens uma das mais importantes colónias do Atlântico. É uma ave corpulenta que atinge de 1,20 a 1,30 metros de envergadura e nidifica nas concavidades rochosas da ilha. A população chegou a atingir cerca de 60 mil indivíduos, mas sofreu uma forte redução em 1976, rondando actualmente entre 20 a 30 mil.
A cagarra é uma auxiliar dos pescadores de atum, pois sobrevoa em círculos, lançando gritos estridentes, sobe os cardumes daquele peixe e assim os assinala aos pescadores.Outras aves marinhas notáveis que nidificam nas Selvagens são o pintaínho (Puffinas assimilis baroli), a alma-negra (Bulnweria bulwerii), o roque-de-castro (Oceanodrama castro) e o calcamar (Pelagodrama marina). O calcamar é a ave mais numerosa das Selvagens, cavado s seus ninhos em galerias subterrâneas, as quis sulcam parte do território do planalto da Selvagem Grande, bem como o areal da Selvagem Pequena.
Existem ainda nas Selvagens populações significativas de gaivotas (Larus argentatos atlantis), a gaivota-argêntea, de um passeriforme residente (Anhus bertheloti, o corre-caminhos, e de uma rapina (Falco tinnunculus), o francelho.
Expedições cientificas
As Ilhas Selvagens despertaram desde sempre o interesse de naturalistas e cientistas. A primeira visita com fins de carácter científico foi feita pelo capitão James Cook em 1768 e em 1778 Francis Masson, botânico do Jardim Botânico Real de Kew, efectuou colheitas de plantas nas Selvagens.
Durante os séculos XVIII, XIX e até meados do século XX, as visitas de cientistas às Selvagens foram sempre de carácter esporádico e nunca com o intuito de estudar com continuidade a fauna lá existente, nomeadamente as aves marinhas, que durante uma parte do ano se encontram nas ilhas a nidificar, sublinha o biólogo madeirense Manuel Biscoito.
Tendo consciência da precariedade da informação científica existente, Günther Maul, director do Museu Municipal do Funchal e o major na reserva C. Pickering, botânico amador, decidiram em 1963 organizar a primeira expedição científica multidisciplinar às Ilhas Selvagens, para a qual foi fretado o navio “Persistência” da Empresa Baleeira do Arquipélago da Madeira.
Esta expedição, entre 15 e 27 de Julho, contou com a presença de cientistas de diversas especialidades, entre os quais Christian Jouanin e Francis Roux, do Museu de História Natural de Paris, os quais a partir daí se mantiveram intimamente ligados ao estudo da fauna ornitológica das Selvagens. Desta expedição resultou a publicação, no Boletim do Museu Municipal do Funchal, de nove artigos científicos, sobre as aves, insetos, plantas e rochas das Selvagens, constituindo um volume com 170 páginas.
Esta expedição marca, não só o início do estudo sistemático das aves marinhas, estudo esse que dura até aos nossos dias e que ao todo gerou mais de 500 páginas de publicações científicas e envolveu mais de 100 cientistas, mas também um momento crucial na conservação da natureza em geral e da biodiversidade das Selvagens em particular. Em consequência dessa expedição, em 29 de outubro de 1971 foi publicado no Diário do Governo o Decreto-Lei n.º 458/71, que estabelecia a Reserva Natural das Ilhas Selvagens, como reserva integral.
Zino, impulsionador da reserva
Integrado na expedição, como observador, seguia um entusiasta do mar, Paul Alexander Zino, o qual, através do estreito contacto com os cientistas, veio a descobrir a grande vocação da sua vida, a ornitologia. Zino conseguiu em 1967 adquirir os direitos de caça às cagarras, com o propósito de não se caçar e deste modo recuperar a colónia destas aves que estava depauperada por uma caça anual de mais de 30.000 aves juvenis, durante mais de 100 anos. Construiu em 1967/68 uma pequena casa na Selvagem Grande, a qual se tornou a base para os cientistas que lá se deslocavam, devendo-se à família Zino, em grande parte, a conservação de uma área protegida detentora de um galardão Europeu e com a soberania Portuguesa completamente consolidada.
Zino não só conseguiu que as Selvagens fossem uma reserva natural, cmo também negoceia, em 1970, a sua compra pelo Fundo Mundial para a Vida Selvagem (WWF), associação internacional de defesa da natureza. Mas, em 1971, o Estado português decide adquiri-las por 1500 contos, ou 7500 euros (450 mil euros, no valor actual) ao seu proprietário, o banqueiro madeirense Basto Machado.
Em Julho de 2010, mais de 70 cientistas, incluindo ornitólogos e biólogos do Instituto Superior de Psicologia Aplicada e do Museu Nacional de História Natural de Lisboa), estiveram na maior expedição de sempre às ilhas Selvagens a inventariar a biodiversidade. Participam na missão a Vera Cruz, réplica das caravelas dos Descobrimentos, o veleiro Creoula, antigo bacalhoeiro agora ao serviço da Marinha, e o navio oceanográfico Almirante Gago Coutinho, também da Marinha, equipado com tecnologias do século XXI, de que o Luso, veículo não tripulado que mergulha até aos seis mil metros, é a estrela principal. Desde 1980, as Selvagens são guardas por dois vigilantes cujo transporte, em turnos, é assegurada pela Marinha portuguesa, factor essencial no sucesso da reserva, cuja administração foi confiada pelo governo regional ao Parque Natural da Madeira, em colaboração com o Serviço Nacional de Parques e Reservas.