D. Manuel III, um patriarca para tempos difíceis
Tomada de posse aconteceu neste sábado, na Sé Patriarcal, em Lisboa. Domingo realiza entrada solene no Mosteiro dos Jerónimos, onde celebrará a sua primeira missa como Patriarca.
O espaço está aparentemente cheio, mas encherá mais ainda. O clima é de espera, o calor ameniza-se com o fresco das paredes medievais e a música do coro, forte e intemporal, preenche os espaços ainda vazios do templo.
É dia de tomada de posse do novo patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, que, agora aos 64 anos, passará a chamar-se D. Manuel III. A ocasião é de festa, mas está impregnada de protocolo e de uma linguagem ritual tão antiga, como porventura será o Patriarcado de Lisboa, que teve o seu início em 1716.
É o 17.º patriarca de Lisboa a tomar posse, diante do Cabido da Sé (Colégio de consultores), depois de o cardeal patriarca D. José Policarpo ter atingido os 75 anos e por isso renunciado ao cargo, em 2011. A nomeação pelo Papa Francisco aconteceu no passado dia 18 de Maio, deixando, assim, D. Manuel Clemente, o lugar de Bispo do Porto, para regressar a Lisboa, onde estudou e viveu muitos anos, tendo inclusive ocupado o cargo de bispo auxiliar de Lisboa. Ainda não é cardeal, mas sê-lo-á em breve, assim que for marcado o consistório pelo Papa Francisco.
Os protagonistas da cerimónia chegam pouco depois das 10h30 e é precisamente à porta da Sé que se dá cumprimento ao primeiro passo do rito. D. José Policarpo, agora patriarca emérito, surge acompanhado de D. Manuel Clemente e ambos são recebidos pelo deão, o cónego Carlos Paes. D. José Policarpo, na figura de administrador apostólico, apresenta o patriarca eleito ao deão, e este dá-lhe a beijar o crucifixo. Manuel Clemente asperge-se e aos que o rodeiam com água benta e prepara-se para entrar na igreja mais antiga de Lisboa, onde centenas de fiéis e membros da comunidade eclesiástica o esperam, com ansiedade.
O cortejo leva o novo patriarca pela nave lateral esquerda até à Capela do Santíssimo Sacramento. D. Manuel III está tranquilo e bem-disposto; sorri com naturalidade como se fosse um qualquer dia da sua vida. Existem barreiras que impedem os assistentes de ver o que se passa no interior da capela, mas sabemos que o tempo que vão demorar é para fazer uma oração.
Uma barreira humana de cinco escuteiros pré-adolescentes permanece, quase imóvel, entre a nave lateral e a nave central. Os pequenos guardas da passagem, de mãos atrás das costas, começam a denunciar a idade, brincam uns com os outros, discretamente, com pisadelas quase imperceptíveis. O cortejo sai da Capela e de novo cruza a nave central em direcção à sacristia, onde ultimarão os trajes com que D. Manuel Clemente e D. José Policarpo se vão apresentar à assembleia.
"O Papa Francisco dispensou-me de ser pastor"
O cheiro a incenso adensa-se e o cortejo litúrgico faz, enfim, o seu percurso até ao presbitério. Todos tomam os seus lugares, até os turistas que continuam a entrar, em hordas, pelas portas laterais da igreja. Seguem, chinelando, determinados a ver alguma coisa, mas as centenas de pessoas que ali se reúnem entopem os ângulos de visão e acabam por desistir, virando costas à celebração.
É a voz inconfundível de D. José Policarpo que quebra o compasso de silêncio que se fez sentir, por momentos. “O Papa Francisco dispensou-me de ser pastor, mas não me dispensou da solicitude de todas as igrejas”, profere o patriarca emérito. Saúda o seu sucessor, que, garante, além de bom amigo, vai ser um bom representante do Patriarcado.
Segue-se a leitura do mandato apostólico, que nomeia patriarca D. Manuel Clemente, por D. Rino Passigato, o núncio apostólico que representa a Santa Sé, como embaixador do Papa.
É lavrada a acta da tomada de posse e D. Manuel Clemente é agora oficialmente o novo patriarca de Lisboa. Senta-se na cátedra, antes ocupada por D. José Policarpo e recebe, das mãos do seu antecessor, o símbolo máximo da autoridade bispal, o báculo pastoral. A Sé Patriarcal enche-se de palmas.
"Quem se casou?"
É a vez do cónego Carlos Paes, deão da Sé, proferir uma saudação ao patriarca D. Manuel III, recordando que, já noutros tempos, os primeiros patriarcas do século XVIII, também suportaram situações difíceis com o Terramoto de 1755 e a perseguição dos jesuítas. É um prenúncio para os “tempos difíceis” do século XXI que o novo patriarca terá também de enfrentar.
Após a oração da Hora Intermédia, D. Manuel Clemente fala, por fim, a todos quantos esperaram ouvi-lo ao longo da manhã. Espontaneidade e um toque de sentido de humor pontuam-lhe o discurso, fluido e sentido. Saúda a hierarquia eclesiástica que tem à sua frente e, por fim, lança umas palavras para os leigos que enchem a igreja. Recorda os construtores medievais da catedral, também eles leigos, que não construíram apenas um templo, mas um “corpo com os braços abertos”, referindo-se às naves e ao transepto, em forma de cruz. “A Igreja de Lisboa é a única possuidora de tudo, uma posse que significa entrega e serviço”, refere D. Manuel III, numa alusão ao papel unificador da Igreja, em tempos de instabilidade.
A cerimónia prossegue com a Hora Intermédia, tempo de oração da Liturgia das Horas. Canta-se o Te Deum com fervor religioso. O ritual está quase no fim. D. Manuel dá a sua bênção final, despedindo-se.
À porta, o tapete vermelho aguarda a passagem dos altos dignitários. Uma turista pergunta, levada pela curiosidade do aparato: “Quem se casou?”.