Fora dos interessados pelo cinema documental, não serão muitos os que sabem da existência de uma série britânica de documentários realizada por Michael Apted e designada pelo sufixo Up. Em 1964, uma equipa da Granada Television escolheu 14 crianças inglesas de todos os estratos sociais e documentou as suas vidas em Seven Up! com o intuito de voltar a filmá-las todos os sete anos para ver como a sua vida ia evoluindo. Nem todas as “cobaias” originais aceitaram continuar ao longo da série, mas em 2012 surgiu o oitavo filme, 56 Up.
Vem isto a propósito de Richard Linklater, Ethan Hawke e Julie Delpy estarem a fazer a mesma coisa em termos ficcionais com os filmes da série Antes..., que, ao contrário de Up, não foram pensados como uma série. Nada faria esperar que o pequeno succès d''estime, para citar a expressão francesa que identifica um pequeno êxito de culto, de Antes do Amanhecer em 1995 levasse o realizador de Slacker e os seus dois actores a quererem regressar a essas personagens alguns anos mais tarde - mas fizeram-no, primeiro com Antes do Anoitecer, em 2004, e agora com Antes da Meia-Noite. É essa sensação de reencontro inesperado, de evolução orgânica das personagens e dos próprios filmes, que explica em parte o culto crescente à volta de Jesse e Céline - as personagens que se encontraram por acaso numa noite passada em Viena e agora já são o casal que todos desejávamos que se tornassem, e que se tornaram sem dar por isso em espelhos de uma geração que cresceu com eles e se revê nas suas dúvidas e nos seus desejos.
Mesmo assim, é uma surpresa perceber que Antes da Meia-Noite é o melhor dos três filmes. Não só por ser aquele que tem os pés mais bem assentes na terra, colocando Jesse e Céline em confronto com as responsabilidades da “vida real”, de gerir família e emprego, o individual e o social. Mas sobretudo por não fingir (apesar do paradisíaco recanto grego onde tudo se passa, não sem alguma ironia) que isto é tudo idílico e que vamos ser felizes para sempre, e que tudo o que vale a pena implica um esforço que a ilusão romântica não deixa ver. A Céline de Julie Delpy está menos boémia e mais próxima da mulher à beira de um ataque de nervos, o Jesse de Ethan Hawke está menos sedutor e mais afogado nas exigências de uma vida em família. Mantendo intacta a estrutura da série como uma série de longos diálogos sobre a vida e o amor, Linklater roda tudo de modo recatado, mais interessado em registar as performances dos seus actores e co-argumentistas do que em chamar a atenção para o modo como os filma. No processo, assina um híbrido peculiar entre um pragmatismo que diríamos muito americano e uma filiação formal e narrativa mais europeia, ao mesmo tempo que adiciona uma mais-valia de realismo que não estava forçosamente presente nos dois episódios anteriores. É, de algum modo, um filme que faz todas as perguntas certas na altura certa - e cujo embate no espectador é tanto maior quanto o grau de proximidade com estas personagens.?