Poderá instalar-se a nostalgia nos que viram o ano passado Obrigação, de João Canijo (55 minutos), no Festival de Vila do Conde, e que vêm agora É o amor (135 minutos). O primeiro é o título da encomenda do programa Estaleiro do Festival. O segundo, diz o realizador, não é a versão longa mas todo um outro filme - e, segundo Canijo, o único - a partir da mesma experiência.
Nostalgia porque o que se viu antes era habitado por uma potência - a brevidade, a sugestão... - a partir do encontro entre uma comunidade de mulheres, que esperam o regresso dos seus homens do mar, e uma actriz (Anabela Moreira) que se metia entre elas. Sugeria-se aprendizagem, perda, sugeria-se a exposição da actriz. Como a pura aventura de um “documentário” quase nada perturbada pelo elemento de “ficção” que era a actriz ali metida - a palavra “pureza” deve ser das mais estranhas ao cinema de Canijo. É o amor pode dificultar o caminho de quem o queira habitar. Acrescenta monólogos de Anabela Moreira (filmados depois da apresentação de Obrigação) onde a actriz se confessa incapaz de amar, com inveja do amor que sente naquele grupo de mulheres em marcha.
Confissões de uma aprendiz solitária numa escola de mulheres que se certificam da sua aventura nas canções de Zezé di Camargo. Arrisca-se, com isso, a redundância? Sim, mas evidencia-se que as figuras do “documentário” são tão construções como a “ficção” da actriz. Como se houvesse uma excitação mútua. O filme é de facto outro. É o amor destrói o movimento puro e eufórico de Obrigação. Mas essa proposta de desencanto é uma lucidez sobre todos nós e sobre as nossas ficções. E isso é “generoso” - outra palavra que, para muitos, é surpreendente fazer habitar no universo de Canijo.