KCNA, a agência que "varre os inimigos da face da Terra" só com palavras

A agência oficial norte-coreana anda agora mais ocupada com os elogios a Kim Il-sung, mas sempre que pode reduz Seul a um "mar de fogo".

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Uma das fotografias divulgadas pela agência mostra um possível ataque contra a cidade de Austin AFP/KCNA

Desde que o "formidável marechal Kim Jong-un, líder da invencível e mais poderosa nação" assumiu o poder, em Dezembro de 2011, a agência KCNA tem provado que o "mar de fogo" em que Seul irá transformar-se na eventualidade de uma guerra aberta na península coreana é, talvez, a única promessa que o poder militar do Norte pode realmente cumprir.

As expressões que chegam aos títulos dos media ocidentais não chegam para avaliar o verdadeiro arsenal retórico da agência oficial norte-coreana – para isso, é preciso mergulhar em www.kcna.kp e escolher as versões em inglês ou em espanhol.

Os responsáveis editoriais da própria agência sabem que o seu discurso é visto de fora como uma "táctica de diplomacia arriscada", uma "guerra psicológica extremada" e "propaganda", como se lê numa notícia publicada na quinta-feira. Mas desenganem-se os que se atrevem a não levar a sério "as consequências de uma acção directa" da Coreia do Norte, pois "a guerra pode começar a qualquer momento e apenas restará castigar os inimigos sem piedade". "O arrependimento tardio será inútil e nem um único homem sobreviverá para se arrepender das suas acções."

No mesmo dia em que o comandante das forças norte-americanas no Pacífico, o almirante Samuel Locklear, e um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Coreia do Sul punham de parte a hipótese de mandar abater um míssil norte-coreano que caísse no mar – dando a entender que não iriam usar a força contra qualquer teste –, o Secretariado do Comité para a Reunificação Pacífica da Coreia retaliava com palavras contra a desvalorização das suas palavras. "O nosso comentário à retórica deles sobre "guerra psicológica" e "propaganda" é que eles são livres de pensarem o que quiserem, mas não poderão arrepender-se mais tarde por terem dito o que disseram."

A ameaça de Austin

É tentador não levar muito a sério as ameaças veiculadas pela agência KCNA, cheguem elas através de palavras ou de fotografias. Nos últimos dias de Março, o regime divulgou uma série de imagens que mostram Kim Jong-un a preparar um alegado ataque nuclear contra alvos nos Estados Unidos. Numa das imagens, vê-se um mapa com trajectórias de mísseis apontados a várias cidades norte-americanas, como Washington D.C. ou Los Angeles. Mas uma delas captou a atenção dos norte-americanos e provocou um mar de piadas. Austin, uma cidade mais conhecida pela excentricidade e diversidade dos seus habitantes do que por representar uma ameaça a Pyongyang, viu-se de repente envolvida no instável equilíbrio de poder na península coreana, que domina aquela região asiática há seis décadas.

Os habitantes de Austin não resistiram a fazer jus ao lema não oficial da cidade, Keep Austin Weird (Mantém Austin Esquisita), e bombardearam a Internet com piadas e fotomontagens. Até o governador do Texas, Rick Perry, entrou na brincadeira. Numa entrevista à CBS, o republicano aproveitou para salientar os méritos da sua governação de 13 anos: "O que tem acontecido à economia do Texas nesta última década fez desta cidade um epicentro de muita tecnologia e de desenvolvimento económico. Acho que as pessoas da Coreia do Norte percebem que Austin, Texas, é uma cidade muito importante na América, tal como muitos directores de empresas e outras pessoas, que se têm instalado aqui num número recorde."

A ameaça norte-coreana teve mesmo direito a uma hashtag no Twitter (#whyaustin – porquê Austin). "Quer dizer, eu sei que está cheia de hipsters, mas era preciso tanto?", ironizava a utilizadora @red_red_head.

Nos últimos dias, a retórica inflamada e hiperbólica da agência oficial norte-coreana deu lugar a textos sobre Kim Il-sung, pai da nação e avô do actual líder. Afinal, amanhã, dia 15 de Abril, comemora-se o 101.º aniversário do nascimento do "eterno sol de toda a humanidade".

Para quem decidiu poupar tempo e começou a ler este texto a partir do fim, fica o resumo. A Coreia do Norte pode transformar Seul num "mar de fogo"? Pode. A Coreia do Norte pode "reduzir a cinzas as bases dos agressores com os seus meios nucleares poderosos e sofisticados e varrê-las por completo da face da Terra"? Talvez, mas será complicado sem a ajuda da KCNA.

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