Não há dia em que as pessoas não desejem o milagre da multiplicação das 24h do dia para terem mais vida social. E é quando finalmente estão juntas que acontece o paradoxo mais popular da era digital: em vez de conviverem, grudam-se no telemóvel. A atenção deixa de estar nas novidades ao vivo para se focar nos "status" e fotografias dos mil amigos, respectivos pés pedicurados na areia da praia, silhuetas "sexy" em contra-luz e refeições invocadoras de baba (muito à custa do filtro vintage).
E eu pergunto: desde quando é que normalizámos este hábito de estar com um amigo em carne e osso mas precisarmos, de forma sedenta, urgente, nervosa, de acompanhar a vida virtual dos outros 999 amigos?
No outro dia um colega relatou-me o "status" de Facebook de uma conhecida do seu círculo: "Ppl, rebentaram-me as águas", escreveu ela no mural. Pára tudo. Como é que naquele pequeno intervalo que medeia o total desgoverno das placentas e a urgência de correr para o hospital existe alguém que considera prioritário ter o status de Facebook devidamente actualizado? Resposta: alguém que, naturalmente, nos vai relatar com igual detalhe escatológico os cheiros e texturas da primeira necessidade do rebento. E o primeiro dia de papa. E o primeiro dia de penico.
Nos dias que correm parece que o Facebook, o Twitter e o Instagram asseveram a nossa existência de tal forma que o que não foi devidamente documentado pelo nosso perfil da rede social, à vista dos nossos mil amigos, não aconteceu. Tivesse o Descartes nascido na década de 90 e o seu status de Facebook seria “Publico, logo existo.” Logo a seguir à fotografia dele mais a Pantufa @praia das Avencas, near Cascais.
Ser digital é, na realidade, querer viver no discurso indirecto e ser narrador constante da história. Acabamos por ver o mundo com filtros, e comunicar por plataformas. Depois da nossa córnea vem a objectiva do Instagram. Já não conversamos, “batemos-papo” pelo Facebook, Whatsapp ou Gmail. Já não debatemos interesses, “pinamos” no Pinterest (salvo seja.)
E se pensarmos bem, o que partilhamos nas redes sociais não é realmente o nosso habitat natural, mas sim uma versão digital altamente trabalhada de nós próprios. A fotografia de perfil é sempre a de um momento em que estamos estranhamente favorecidos, aquilo que publicamos é ponderado à luz de critérios pessoais de relevância, feitos para demonstrar em que é que somos interessantes e interessados. Se somos assíduos, queremos retorno em "likes", comentários, partilhas. Temos o cuidado de não dar erros ortográficos, e só publicamos no Instagram a melhor de 15 tentativas fotográficas - a que nos parece perfeita. E eu pregunto: não estaremos a ir longe demais na partilha online? Será que é assim que queremos redefinir o nosso conceito de “intimidade” e de “privacidade”, que nos é tão querido? E se sim, será irreversível?
Albert Einstein dizia: “I fear the day that technology will surpass our human interaction. The world will have a generation of idiots.” Será que este senhor foi visionário em tudo?